domingo, 17 de fevereiro de 2008

Romantismo em Portugal: Almeida Garrett

(Márcia Oliveira)

Em meados do século XIX, Portugal encontrava-se politicamente dividido. De um lado, o apoio do governo britânico; de outro, as ameaças de invasão pelas tropas francesas de Napoleão. Com a vitória inglesa sobre Napoleão Bonaparte, inicia-se um período ainda mais conturbado para o povo luso: a submissão ao governo britânico que, juntamente com as influências dos ideais iluministas, provocaram nos portugueses um forte sentimento nacionalista.


Eclode então, em 1817, a famosa "Revolução do Porto", liderada por Gomes Freire. Tal revolução é rapidamente sufocada pelo exército inglês, porém trata-se de um acontecimento de suma importância por ser a primeira manifestação portuguesa contra a instabilidade política e a intolerância ideológica. A partir daí, inicia-se um longo confronto entre Miguelistas (defensores das pretenções absolutistas de D.Miguel) e Liberais (adeptos de D.Pedro I do Brasil, que prometia um governo constitucional para o país).


É óbvio que a situação política e cultural de um país reflete em sua vida artística e intelectual. Desssa forma, devido às influências iluministas e à falta de condições político-culturais favoráveis ao desenvolvimento de uma corrente estética voltada para o sentimentalismo, o Romantismo português só veio se expandir em 1834, com Almeida garrett e Alexandre Herculano (sobre este último, falaremos mais tarde, em outro texto).


Com uma notória formação arcádica e iluminista, é difícil consagrar Almeida Garrett em uma única escola literária. E, por mais que tenha exilado-se na Inglaterra e acreditem-se ter sofrido as influências do Romantismo inglês (Lord Byron, Walter Scott e o teatro de Shakespeare), Garrett nunca se auto-intitulou romântico e muito menos classicista; ao contrário: afirmava não seguir regras nem modelos.



Assim, quando no exílio em Paris (1825), publica o enorme poema Camões, Almeida Garrett demonstra toda sua capacidade inovadora diante da arte. Adota uma postura romântica no prefácio, mas a dilui no texto em si, ao eleger como herói um Camões dividido entre dois amores: o que sente pela mulher, que lhe é recusada, e o que dedica à pátria. Garrett serve-se do herói lusitano para defender, durante o exílio, os ideais liberais que almejava ver instaurados em Portugal. Logo, admite-se que esta obra tem valor mais por suas conotações políticas que pela estética romanesca propriamente.



Em Folhas Caídas, obra onde o referido autor adota uma postura mais romântica, mais reflexiva, percebe-se um conflito aberto e latente entre a idéia cristã de pecado original e um erotismo que, durante toda a sua carreira, apresenta-se das mais diversas formas.



A obra, dividida em dois livros (Folhas Caídas e Flores sem Frutos), é considerada autobiográfica, pois retrata seu ilícito relacionamento com uma mulher casada - a Viscondessa da Luz - e o título, Folhas Caídas, trata-se de uma alusão à relação outonal; passageira, mantida entre os dois amantes.



Em seus poemas, o erotismo vai de encontro à idéia do "desejar sem amar". para ele, este amor não é virtuoso e, portanto, pode levá-lo ao inferno. Um amor que é fonte de prazer e dor.


No primeiro livro, o poema Ignoto Deo (Ao Deus Desconhecido), que remete ao Classicismo, pois, dentre outras coisas, utiliza termos em latim, faz referência a um Deus que, embora desconhecido, é nele que o poeta acredita.


Depois disso, surgem características romanescas, como: a idealização da mulher (o ser amado visto, inicialmente, como angelical e inacessível); e depois, a decepção amorosa (o sofrimento de amor).



A maior contradição em Folhas caídas é justamente o sofrimento. O poeta sofre por não sentir o amor sublime; espiritual, sentindo apenas o desejo; o amor carnal pelo objeto desejado. E, apesar de sua descrição erótica, de limitar-se à esfera da carnalidade, Garrett se mostra profundamente anti-erótico.


No poema Anjo, o "eu" lírico oscila entre a auto-comiseração (piedade, ausência de culpa) e a auto-depredação. É importante lembrar que, há momentos na obra, em que ele não sente tanta culpa por desejar sem amar, porém, há momentos em que a própria mulher desejada deixa de ser anjo e torna-se vilã; culpada por seu sofrimento. isso está bem claro no poema Víbora, onde ele compara a mulher amada a uma víbora e diz que este amor é amaldiçoado e só provoca destruição.


No poema Não Te Amo (meu predileto), está bem clara a idéia de oposição entre "o amar" e "o desejar"; entre o amor sublime e o amor carnal:


"Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.E eu n 'alma – tenho a calma, A calma – do jazigo. Ai! não te amo, não. Não te amo, quero-te: o amor é vida.E a vida – nem sentida A trago eu já comigo.Ai, não te amo, não! Ai! não te amo, não; e só te queroDe um querer bruto e fero Que o sangue me devora,Não chega ao coração. Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau, feitiço azado Este indigno furor.Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não".


Apesar da crítica considerar Almeida Garrett um poeta menor, quando comparado a Bocage, por exemplo, considero-o um grande gênio da Literatura portuguesa, pois sua obra tem como tema central o amor e isso é levado ao leitor de várias formas(o que só revela sua criatividade). Seja sagrado ou profano, o amor é a temática de ouro dos grandes poetas, e Almeida Garrett soube expressá-lo muito bem, à sua maneira, o que, obviamente, o distingue de outros consagrados artistas portugueses.

2 comentários:

Daniel disse...

Sem Duvidas um dos maiores autor de toda epoca!!!

Marylia Santana disse...

Olá Márcia, adorei a pequena explanação sobre Almeida Garret! Estou fazendo Letras na Universidade de Brasília e ler teu post me ajudou muito!
Obrigada!