quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Crônica: Literatura ou não?

(Márcia Oliveira)

Falar desse tipo textual tão simples e, ao mesmo tempo, tão grandioso, tão rico em detalhes, não é tarefa fácil. Muitas pessoas vêm a crônica apenas como gênero didático, outras (como eu), apreciam e admiram bastante os grandes cronistas, como Machado de Assis, por exemplo, que durante 40 anos de sua vida dedicou-se às crônicas produzidas para folhetins nos principais jornais e nas principais revistas do país.




A palavra "Crônica" vem do grego "chronos", e quer dizer "senhor do tempo"; O Deus Chronos é o senhor do tempo, devorador da vida. E não por acaso, esse gênero é, antes de mais nada, o registro de um aspecto qualquer da existência (social ou individual). Seu objetivo é registrar o circunstancial, como uma tentativa de eternizar um momento.




Embora considerada por alguns um gênero literário menor ou de pouca relevância, a crônica tornou-se para muitos escritores seu principal instrumento de expressão. Romancistas, poetas, teatrólogos e cineastas escrevem crônicas. E alguns, com bastante êxito até.




Enquanto Literatura, acredito que a crônica permita o exercício da subjetividade cotidiana do autor. Ela é o prazer e o sabor de um texto narrativo de reflexão descompromissada.Toda crônica é, dentre outras coisas, um relato ou um comentário de fatos corriqueiros, triviais do nosso dia-a-dia. Antes, ela era primeiramente publicada em jornais (nos folhetins, espécie de cadernos de entretenimento); depois, os autores selecionavam as melhores, as de temas mais universais e montavam seus livros com elas.




A crônica é um gênero dos tempos modernos, pois trata-se de um texto de rápida leitura e que se adapta muito bem à internet. Ela pode tratar dos mais variados assuntos, não importando tempo, espaço ou personagens. Seja em breves páginas de jornais ou em páginas complexas de livros, ela está sempre ensinando algo importante; fazendo o leitor prestar atenção e refletir sobre aquilo que, a princípio, parecia menor, desimportante.




Os cronistas precisam ser, portanto, pessoas muito sensíveis, observadoras, preocupadas em captar um breve instante e proporcionar ao leitor a cumplicidade, o diálogo e, sobretudo, a reflexão.Eles não pretendem apenas contar uma história, mas formar e trazer essa história para a vida de cada um de seus leitores.




O Brasil teve grandes representantes deste estilo literário. Além de Machado de Assis (que, apesar da perfeição e visão crítica de suas crônicas, não se tornou o Machado de Assis que conhecemos por conta delas, mas sim por seus romances), também tivemos José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga (talvez o maior deles) e, mais didaticamente, Manuel Bandeira, Fernando sabino, Luís Fernando Veríssimo, etc. E uma coisa curiosa: muitos críticos julgam ser a carta de Pero Vaz de Caminha a El rei de Portugal D. Manuel, a primeira crônica do Brasil, pois o autor registra fielmente as circunstâncias do descobrimento e recria com arte tudo aquilo que registra no contato direto com os índios e seus costumes, naquele instante de confronto entre a cultura européia e a cultura primitiva.




Sendo um gênero de maior valor ou não, não posso negar que a crônica é, de fato, um excelente exercício textual para crianças em fase de iniciação leitora. Trabalhei muito esse gênero com meus alunos de ensino fundamental no estágio e o resultado desse trabalho foi muito positivo. Vi crianças apaixonadas por Fernando sabino e Manuel Bandeira, autores que eu já admirava quando tinha a idade delas. Foi uma experiência fantástica, que só me fez admirá-la ainda mais. Acho que existem crônicas para leitores de todas as idades, literariamente, ela é um gênero bem democrático. Só precisamos enxergá-la realmente como Literatura e não apenas como fonte de entretenimento. Mas, como disse Albert Einstein: "é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."




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