terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Conto: A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa

(Márcia Oliveira)


O livro Sagarana reúne uma coletânea de contos de cunho regionalista em que se verifica toda a inventalidade de Guimarães Rosa, no que diz respeito à sua linguagem literária e às suas técnicas narrativas. Os contos abordam temáticas como a aventura, os animais metaforizados em pessoas, reflexões fincadas na subjetividade e espiritualidade, assim como também na morte. O livro apresenta grande expressividade e originalidade. A obra e seu autor estão inseridos na terceira fase do Modernismo brasileiro ou Neomodernismo, como preferem muitos.


Mas, um de seus contos, em especial, me chamou muita atenção e tornou-se, inclusive, tema de um ensaio produzido para a disciplina de Literatura Brasileira IV da universidade, o qual me rendeu muitas alegrias e me proporcionou muito prazer. Trata-se do último conto da obra, intitulado A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Uma história rica em alegorias e questionamentos de cunho universal, que nos fazem refletir acerca dos eternos conflitos interiores e exteriores vividos pelo homem.


A Hora e a Vez de Augusto Matraga narra as peripécias heróicas de um homem peculiar do sertão de Minas Gerais, e assim como toda a obra de Guimarães Rosa, focaliza o regional mineiro e capta aspectos físicos, sociais e psicológiocos do meio interiorano.


A história tem como pano de fundo a luta entre o bem e o mal e, conseqüentemente, todo o sentimento de angústia, de medo, de culpa e de vergonha decorridos de uma tomada de consciência do homem que, influenciado pelos acontecimentos e pelo mundo das idéias cristãs, opta por uma dessas forças.


Personagens:


1. Augusto Matraga: na verdade, Augusto Esteves, filho do Cel. e fazendeiro Afonso Esteves. Um homem valentão e temido por todos, que deixava a mulher e a filha em casa enquanto bebia e vadiava com prostitutas. Um dia, já cheio de dívidas, perde os amigos e a mulher. Leva uma surra e é dado como morto. Depois disso, se converte e morre preocupado em salvar sua alma.


2. D. Dionóra: mulher de Augusto Matraga. Desprezada pelo marido, foge com outro homem. Nunca mais volta a ver o marido.


3. Mimita: filha de Matraga. Foge com a mãe, mas depois cai na vida em companhia de um homem desconhecido.


4. Sr. Ovídio Moura: homem com quem a mulher de Matraga foge.


5. Quim Recadeiro: amigo fiel de Matraga. Quando matraga leva uma surra e é dado como morto, Quim tenta vingá-lo e termina sendo assassinado pelos capangas do major Consilva.


6. Major Consilva: poderoso latifundiário e inimigo de Matraga. manda matá-lo após uma emboscada.


7. Mãe Quitéria e Pai Serapião: casal de negros que cuida de Matraga após ter sido vítima de uma emboscada. Este casal lhe ensina a moral cristã.


8. Joãozinho Bem-Bem: homem valente e temido. Tem muita afinidade com Matraga, porém ambos morrem no final, após lutarem um contra o outro.


9. Angélica e Siriema: prostitutas leiloadas numa festa popular ocorrida no início do conto. Matraga ganha Siriema por que era temido. Ele prefere Siriema à Angélica por esta ser branca, mas, ao vê-la sem roupa, desiste de possuí-la por considerá-la muito feia. (exigente o moço, não? rsrs...)


10. Padre: é chamado pelo casal de negros para abençoar Matraga e diz a ele: "sua hora chegará". Esta frase é lembrada por Matraga até o final da história sempre que lhe vêm à memória as injúrias que sofreu.


A Hora e a Vez de Augusto Matraga já rendeu muitos estudos de antropólogos e cientistas sociais, devido à riqueza em elementos culturais brasileiros. O antropólogo Roberto da Matta salienta que o herói Augusto Matraga é, na verdade, um "renunciador", ao passo que célebres personagens da Literatura Universal, ao contrário dele, preferiram seguir em busca de vingança, como o famoso Conde de Monte Cristo, best-seller de Alexandre Dumas.


Embora muitos estudos tenham sido elaborados com opiniões divergentes, percebí detalhes muito claros na essência do texto. A moral da história é a conversão cristã do protagonista. O rito de passagem (característica recorrente nas obras de Rosa) nada mais é do que uma forma simplificada da passagem de pecador a cristão.


Numa visão mais global e intertextual, vemos na saga de Matraga uma semelhança muito forte com a saga de Cristo, pois Augusto Matraga morre em nome da esperança e da salvação não só de sua alma, como também de outras almas. Ele entra em confronto com Joãozinho Bem-Bem para salvar uma família, que de uma forma alegórica, pode estar representando a sua própria família. Aliás, a família é um elemento de grande relevância na obra de Rosa, ela é sagrada e está sempre no topo de um pedestal. Salvar aquela família das garras de um bandido era, para Matraga, o mesmo que resgatar a sua própria família.


O local onde é travada a luta entre Joãozinho e Matraga lembra a Via-Crucis. No Brasil, lembro-me muito bem desta passagem bíblica retratada na letra da canção Faroeste Caboclo, de Renato Russo, no auge do sucesso como líder da banda Legião Urbana. O João de santo Cristo, "um homem santo porque sabia morrer", travava uma luta com o bandido Jeremias, um perigoso traficante da cidade de Brasília. No confronto, João morre heroicamente, salvando sua alma de todos os pecados que cometera. E assim como Matraga, João de Santo Cristo também perdoa sua amada (Maria Lúcia) pela traição de ter fugido com outro.


Sem dúvida, a morte representa o ápice do heroísmo para a moral cristã. Ela corresponde a um ritual de purificação da alma, ritual também presente em obras como O Barão, do escritor português Branquinho da Fonseca, autor pertencente ao Presencismo, uma espécie de primeiro momento do Modernismo em Portugal. A diferença é que em Branquinho da Fonseca a purificação é representada pelo vinho e não pela morte, mas em Guimarães Rosa, a morte é, indubitavelmente, o passaporte humano para a vida eterna no céu.


O arrependimento e o perdão, dois elementos essencialmente cristãos, constituem parte do processo de purificação. Augusto Matraga, ainda em vida, arrepende-se de ter perdido sua família e, a partir daí, tem início seu processo de conversão cristã. E a efetivação dessa conversão se dá quando, no momento de sua morte, Matraga perdoa seu assassino, perdoa sua mulher e pede que abençoem sua filha.


Esta é a Hora e a Vez de Augusto Matraga. É o momento da redenção. A salvação que ocorre por meio da vontade; da obstinação, algo muito forte no personagem. Ele entrega sua vida em nome do amor ao próximo, em nome do amor de Deus e morre feliz por ter cumprido sua missão, por ter se tornado cristão.


Espero que tenham gostado desta pequena amostra do ensaio e que eu não tenha contado tantos detalhes da história, a ponto de estragar a surpresa da leitura (rsrs). Mesmo assim, Sagarana possui muitos outros contos, todos muito bem construídos e apaixonantes, bem como toda a obra de Guimarães Rosa.


8 comentários:

Unknown disse...
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Peregrino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Peregrino disse...

Estimada Márcia. Eu ainda estou aprendendo português. Agora estou lendo “A hora e vez de Augusto Matraga”. O texto tem muitas palavras que não conheço. Seu resumo, comentário é de muita utilidade para mim!
Muito obrigado!

Adriana e Sonia disse...

Adorei seu resumo!Escolhi esse conto para minha monografia, se vc puder enviar-me mais informações serei muito grata, desde já lhe agradeço.

Erik dos Reis disse...

Sua análise está muito boa Márcia! Apenas discordo em um ponto.
Não vejo a trajetória ascensional traçada por Augusto - passando por suas três formas - como um simples caminho para se tornar cristão, ou mesmo para chegar ao Céu.
A certa altura Augusto diz: "Para o céu eu vou, nem que seja a porrete!", e é justamente isso que ele faz no final: ele atinge sua redenção através da força física, da violência. Por isso acredito que o conto de Guimarães Rosa vá além da concepção religiosa, na qual a violência e o assassinato seriam condenados, o conto é sim uma louvação do que há de imanente na condição humana, é uma louvação da matéria, do mundo físico.

jessika garcia disse...

gostemos muito os livros abordam tematicas como avetura metaforizados em pessoas,apresemtam grande expressividade e originaridade. um de seus contos em especiais tornou-se inclusivem tema de um ensaio produzindo para diciplina da literatura brasileira IV universidade hora ea vez de Agusto Matronga que narra as perpicias heroticas de um homem do sertão a historia tem como um pano de fundo conceguecia do homem e seus setimentos.
ass: Geane da Silva e Jessica Raiane.
3C MANHÃ

@laila.o.q disse...

Sua análise é bem clara e condiz com a minha. Agradeço por esse post que me deu uma luz para minha apresentação sobre o conto. Deixarei a referência a seu blog na apresentação.

Unknown disse...

Olá
Estudo Letras, li o Matraga e preciso fazer um trabalho sobre este conto. Tenho que montar uma aula expositiva trabalhando com o lúdico. Peguei a música "Faroeste Caboclo" para trabalhar junto mas não consigo encontrar algo que me agrade para fazer. Queria pedir, já que conhece bem este conto, algumas dicas.
Tudo que li aqui sobre o conto já me ajudou bastante.
Obrigada!