domingo, 24 de fevereiro de 2008

Identidade


(Márcia Oliveira)

Eram cinco da manhã. Pelas frestas da janela começavam a entrar os primeiros raios de sol. Eu não havia acordado. Queria acreditar que nem ao menos teria dormido, apenas amanheci junto com o alvorecer.


Levantei-me da cama, e cada passo que dava em direção ao banheiro só me fazia lembrar do longo caminho solitário que teria de percorrer até o trabalho. Lavei o rosto, escovei os dentes e olhei-me durante longos segundos no espelho. Ele me dizia o tempo todo quem eu era. E eu, apesar de relutar contra isso, sentia que era a mesma pessoa. A mesma menina assustada que corria no parque há trinta anos; a mesma adolescente tímida e sonhadora que lia Quintana há quinze anos, e a mesma mulher que beijava teus lábios e inebriava-se em teus braços sedentos de prazer há poucos instantes...no meu sonho.


Mas o dia não parou por aí. Enxuguei o rosto, fui até a cozinha. Peguei o leite, adocei-o com mel. Deixei que as gotas caíssem paulatinamente dentro do copo e observei-as atentamente, como a um espetáculo. Soerguendo o braço, alcancei na fruteira uma maçã. Estava tão doce! sentia como se fosse a sua própria doçura, o seu mais nobre desejo adentrando em mim, mas era apenas o sabor de uma maçã.


Voltei ao quarto, escolhi a roupa, para não dizer a máscara do dia. Era a mais bonita que eu já tive. Teria que ser assim para que a ninguém eu revelasse aquela identidade. De alguma maneira eu sabia que aquela bela roupa me ajudaria a esconder a solidão fortemente estampada em meu rosto, solidão que alguém jamais mereceu. Mas, ela estava ali. Estava ali, em frente ao espelho, diante dos meus olhos. E eu a conhecia, eu a conhecia como a um irmão meu. Estava ali o tempo todo...a sombra do meu pesar, o estar só, aquele doer n'alma que alguém jamais, jamais mereceu...oh,triste revelação que massacrou o sonho que era meu: descobri que a solidão, meu amor, a solidão era eu.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Metade



Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio. Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste. Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante. Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade. Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento. Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão. Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável, que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei... Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é a platéia e a outra metade, a canção. E que minha loucura seja perdoada, porque metade de mim é amor e a outra metade... Também.


(Osvaldo Montenegro)



Um lindo poema e uma triste canção escrita e interpretada por Osvaldo Montenegro, este maravilhoso compositor de MPB (um dos meus prediletos!). Ela está aí nos nossos vídeos do blog, vocês podem ver depois. Sempre que escuto o Osvaldo recitar este poema, me arrepio. Passa um filme pela cabeça. Lembro-me de minha infância, dos amigos que já não vejo, de ex-amores, de ontem, de hoje e de sempre...enfim, penso no mundo, nas pessoas que sofrem, que morrem injustamente,que pagam por crimes alheios, penso numa solução pra tudo isso, penso em vocês que vão ler isso, penso em mim e nas minhas muitas metades...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Machado & Carolina

(Márcia Oliveira)

Há poucos textos atrás, falava eu de uma história de amor que venceu o tempo. O texto era o do filme O Amor nos Tempos do Cólera, baseado na obra do colombiano Gabriel García Marquez. Agora, estou eu aqui de novo para falar de uma outra história de amor, esta da vida real, que também ultrapassou muitas barreiras, não só as do tempo, mas as da vida.






Refiro-me ao maior representante da Literatura Brasileira, o mestre Machado de Assis e sua musa, Carolina, mulher com quem foi casado por mais de três décadas.






Carolina Xavier de Novais, portuguesa, pertencente a uma nobre família da côrte carioca, casou-se com Machado de Assis em 12 de novembro de 1869. Seu primeiro obstáculo foi justamente, sua família que, inicialmente, não aceitava o fato de o noivo ser mulato e epilético.






Machado, já tinha em sua família um histórico de perdas irreparáveis, perdeu a mãe muito cedo, logo em seguida perdeu a irmã e algum tempo depois, com 12 anos de idade, perdeu o pai. O menino, gago e epilético, acabou sendo criado pela madrasta, que vendia doces para um colégio do Rio de janeiro. Foi aí que Machado, um menino muito pobre e sem condições de freqüentar escolas, passou a ter contato com professores e alunos.






Sua vida sempre foi muito difícil, mas o que se sabe é que, desde cedo, ele sempre teve interesse pelos estudos e pela leitura. Na adolescência, foi trabalhar na padaria de um homem francês, que o iniciou na língua francesa. Sempre auto-didata, aprendeu depois inglês, alemão e latim, chegando a trabalhar como tradutor de livros.






Machado teve em Carolina a esposa, a enfermeira, a secretária e a redatora. Além de corrigir os erros ortográficos do escritor, ela ainda opinava em seus textos. (quanta responsabilidade!). Como era uma mulher muito culta, através dela Machado conheceu escritores do mundo inteiro e pôde, mais tarde, publicar e divulgar seus romances.






Ele sempre a escrevia cartas apaixonadas. Numa delas, disse que Carolina não era como as mulheres vulgares que ele conhecia, que seu coração e seu espírito eram prendas raríssimas. Os dois nunca tiveram filhos e dedicaram todo seu amor a uma cadela de nome Graziela. Após a morte de Graziela (outra grande perda), tiveram um outro cão a quem deram o nome de Zero.






Em 1904 morre Carolina Novais, e a vida perde o sentido para o mestre Machado que, desde sua infância mais tenra, só conheceu a dor e o sofrimento causado pela morte de seus entes mais queridos. À carolina, dedicou um belíssimo poema:





Querida, ao pé do leito derradeiro


Em que descansas dessa longa vida,


Aqui venho e virei, pobre querida,


Trazer-te o coração do companheiro.




Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro


Que, a despeito de toda a humana lida,


Fez a nossa existência apetecida


E num recanto, pôs um mundo inteiro.




Trago-te flores, - restos arrancados


Da terra que nos viu passar unidos


E ora mortos nos deixa e separados.




Que eu, se tenho nos olhos malferidos


Pensamentos de vida formulados,


São pensamentos idos e vividos.








Machado de Assis morrera quatro anos depois, em 29 de setembro de 1908, sendo sepultado ao lado de Carolina, cumprindo o que a ela havia prometido quatro anos antes. Apesar de todo seu histórico de perdas e sofrimentos e de todo seu pessimismo, pouco antes de morrer suas últimas palavras foram: "a vida é boa".






Lendo e relendo essa triste história, acredito piamente no poder do amor. Um amor verdadeiro pode sim ultrapassar todas as barreiras, não só do tempo; do sofrimento, mas também da morte. Machado e Carolina são o maior exemplo real disso.(E este ano é o ano nacional do centenário da morte de Machado, teremos outros textos sobre sua vida e obra aqui no Letras & Arte).

Um Poeta Rebelde

(Márcia Oliveira)

Manuel Maria de Barbosa Du Bocage, considerado pela crítica literária um dos maiores sonetistas portugueses, acompanhado de Camões e Antero de Quental, foi um artista que, pelo menos didadticamente representou o Arcadismo, mas por sua rebeldia em relação às normas e regras do soneto e também pela originalidade de sua poesia, conseguiu romper com o convencionalismo árcade e aproximou-se muito dos românticos.





"Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro."







Este trecho deixa bem claro que Bocage acreditava que as normas existem simultaneamente para refrear excessos e excitá-los pela força da proibição. E não era isso que o poeta queria, ele queria liberdade para expressar seus sentimentos, seu modo de pensar o mundo e seus desejos.


Por conta desta liberdade, muitas vezes, Bocage foi incompreendido, e alguns temas utilizados em sua poesia lhe custaram prisão e processos, como: a teoria do amor natural ("Amar é um dever, além de um gosto/uma necessidade e não um crime"), a distinção entre erotismo e pornografia ("Dá-me tédio a lição de escritos torpes"), o uso desatado de calão, a crítica ao clero ("Mandai desentulhar esses conventos/Em favor da preguiça edificados"), todos estes são tópicos que tornaram Bocage intolerável aos olhos da rigorosa censura portuguesa, e até hoje são pouco freqüentes em antologias bocagianas.




Aos mesmos




De insípida sessão no inútil dia
Juntou-se do Parnaso a galegage;
Em frase hirsuta, em gótica linguage,
Belmiro um ditirambo principia.
Taful que o português não lhe entendia,
Nem ao resto da cômica salsage,
Saca o soneto que lhe fez Bocage,
E conheceu-se nele a Academia.
Dos sócios o pior silvou qual cobra,
Desatou-se em trovões, desfez-se em raios,
Dando ao triste Bocage o que lhe sobra.



Neste soneto, assim como em muitos outros, Bocage fala de si mesmo e prossegue em sua campanha de desmoralização dos membros da Nova Arcádia. A ironia do texto advém de sua linguagem, da tosca relação Parnaso/Galegage, por exemplo. Além de sua aversão à hipocrisia da Academia árcade, Bocage também em muito criticou o sistema político português, o que também lhe resultou em prisões e processos.
Como hoje acordei lembrando dele, resolvi postar algo a seu respeito aqui. Seria uma maldade não dividir Bocage com vocês. Todo mundo merece, pelo menos um soneto de Bocage na vida! - :)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O Amor nos Tempos do Cólera: Gabo no Cinema

(Márcia Oliveira)

O Amor nos Tempos do Cólera (Love in Time of Chole), estreou no cinema em dezembro de 2007, numa produção simples, porém bonita do diretor inglês Mike Newell.

O filme, baseado na obra de mesmo nome do colombiano Gabriel García Marquez (mestre do Realismo fantástico), se passa numa época em que a peste do Cólera assolava a América Latina e conta a história de Florentino Ariza (Javier Bardem) que se apaixona à primeira vista por Fermina Daza (Giovanna Mezzogiono), ao vê-la debruçada na janela da casa de seu pai.
A produção inglesa desta belíssima obra latino-americana, traz ainda no elenco Fernanda Montenegro, numa de suas mais fantásticas performances, interpretando a mãe de Florentino.

Florentino é um rapaz de origem simples, poeta e telegrafista, que tem como principal característica sua pureza e ingenuidade. É um homem extremamente romântico, que está se resguardando para o grande amor de sua vida. Já Fermina é uma jovem de personalidade forte, que apesar de, inicialmente, não querer obedecer às ordens de seu pai, que a obriga a casar-se com um jovem médico bem sucedido, acaba cedendo às pressões e não aceita o pedido de casamento de Florentino, casando-se então com o médico.

Mas, o amor de Florentino ultrapassa as barreiras do tempo, aliás, o tempo é um elemento bastante recorrente nas obras de Gabo (apelido de Gabriel García Marquez). Também o vemos com bastante relevância em Cien Años de Soledad (Prêmio Nobel em 1982), onde a família Buendía é condenada, inexplicavelmente, a viver cem anos de solidão. Assim, Florentino passa mais de 53 anos de sua vida a esperar por Fermina. Ele contabiliza fielmente seu tempo de espera, que dura exatamente 53 anos, 04 meses e 11 dias, até a morte do marido de Fermina.

Ao procurá-la, já viúva, Florentino encontra uma mulher amarga, cheia de pudor e com um certo preconceito de amar na sua idade; o que não é um grande problema para ele que, apesar da idade avançada, ainda cultiva o amor e o sexo com bastante disposição e naturalidade, contabilizando todas as mulheres que por ele foram amadas nestes pouco mais de 53 anos. Florentino procurava em cada uma dessas mulheres um pouco da Fermina por quem se apaixonara na juventude.


O Amor nos tempos do Cólera é uma belíisima história que narra a vitória do amor sobre o tempo. Nada pode apagar um sentimento tão puro e tão sublime. Florentino e Fermina, mesmo já tendo vivido separados grande parte de suas vidas, retomam um amor de 53 anos perdidos, provando assim a mais bonita máxima da obra: "que o amor é amor em qualquer tempo e em qualquer parte."


Nota:
Para finalizar, necessário é dizer que a produção cinematográfica, apesar de boa, não substitui a obra. A reprodutibilidade da indústria cultural de cinema reduz em muito a complexidade da obra literária. Além disso, o roteiro é um texto redutivo, adaptado, que pode sim comprometer a completude do texto original. Mesmo assim, O elenco é maravilhoso. Porém, sabe-se que é muito difícil para atores espanhóis interpretar um texto todo em inglês. O sotaque das personagens soa meio estranho, sem contar que o inglês de Fernanda Montenegro também não é nada muito bom (mas ela pode!). No entanto, este pequeno detalhe não compromete fortemente a excepcional interpretação dos atores que, do início ao fim, demonstram uma excelente performance. Apesar de alguns exageros, que até dão um certo ar cômico ao filme, a produção do inglês Mike Newell não foge tanto à fidedignidade do texto colombiano. O filme é realmente a cara do Gabo! Recomendo! -:)

Crônica: Literatura ou não?

(Márcia Oliveira)

Falar desse tipo textual tão simples e, ao mesmo tempo, tão grandioso, tão rico em detalhes, não é tarefa fácil. Muitas pessoas vêm a crônica apenas como gênero didático, outras (como eu), apreciam e admiram bastante os grandes cronistas, como Machado de Assis, por exemplo, que durante 40 anos de sua vida dedicou-se às crônicas produzidas para folhetins nos principais jornais e nas principais revistas do país.




A palavra "Crônica" vem do grego "chronos", e quer dizer "senhor do tempo"; O Deus Chronos é o senhor do tempo, devorador da vida. E não por acaso, esse gênero é, antes de mais nada, o registro de um aspecto qualquer da existência (social ou individual). Seu objetivo é registrar o circunstancial, como uma tentativa de eternizar um momento.




Embora considerada por alguns um gênero literário menor ou de pouca relevância, a crônica tornou-se para muitos escritores seu principal instrumento de expressão. Romancistas, poetas, teatrólogos e cineastas escrevem crônicas. E alguns, com bastante êxito até.




Enquanto Literatura, acredito que a crônica permita o exercício da subjetividade cotidiana do autor. Ela é o prazer e o sabor de um texto narrativo de reflexão descompromissada.Toda crônica é, dentre outras coisas, um relato ou um comentário de fatos corriqueiros, triviais do nosso dia-a-dia. Antes, ela era primeiramente publicada em jornais (nos folhetins, espécie de cadernos de entretenimento); depois, os autores selecionavam as melhores, as de temas mais universais e montavam seus livros com elas.




A crônica é um gênero dos tempos modernos, pois trata-se de um texto de rápida leitura e que se adapta muito bem à internet. Ela pode tratar dos mais variados assuntos, não importando tempo, espaço ou personagens. Seja em breves páginas de jornais ou em páginas complexas de livros, ela está sempre ensinando algo importante; fazendo o leitor prestar atenção e refletir sobre aquilo que, a princípio, parecia menor, desimportante.




Os cronistas precisam ser, portanto, pessoas muito sensíveis, observadoras, preocupadas em captar um breve instante e proporcionar ao leitor a cumplicidade, o diálogo e, sobretudo, a reflexão.Eles não pretendem apenas contar uma história, mas formar e trazer essa história para a vida de cada um de seus leitores.




O Brasil teve grandes representantes deste estilo literário. Além de Machado de Assis (que, apesar da perfeição e visão crítica de suas crônicas, não se tornou o Machado de Assis que conhecemos por conta delas, mas sim por seus romances), também tivemos José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga (talvez o maior deles) e, mais didaticamente, Manuel Bandeira, Fernando sabino, Luís Fernando Veríssimo, etc. E uma coisa curiosa: muitos críticos julgam ser a carta de Pero Vaz de Caminha a El rei de Portugal D. Manuel, a primeira crônica do Brasil, pois o autor registra fielmente as circunstâncias do descobrimento e recria com arte tudo aquilo que registra no contato direto com os índios e seus costumes, naquele instante de confronto entre a cultura européia e a cultura primitiva.




Sendo um gênero de maior valor ou não, não posso negar que a crônica é, de fato, um excelente exercício textual para crianças em fase de iniciação leitora. Trabalhei muito esse gênero com meus alunos de ensino fundamental no estágio e o resultado desse trabalho foi muito positivo. Vi crianças apaixonadas por Fernando sabino e Manuel Bandeira, autores que eu já admirava quando tinha a idade delas. Foi uma experiência fantástica, que só me fez admirá-la ainda mais. Acho que existem crônicas para leitores de todas as idades, literariamente, ela é um gênero bem democrático. Só precisamos enxergá-la realmente como Literatura e não apenas como fonte de entretenimento. Mas, como disse Albert Einstein: "é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."




segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Diário de uma Paixão

(Márcia Oliveira)

Oi, amigos! Em primeiro lugar, quero agradecer a todos que estão visitando o blog e, em especial, agradecer ao carinho e aos elogios que venho recebendo. Só tenho lido e escutado coisas boas a respeito dele.




O Letr@rte é um projeto que eu já tinha em mente há algum tempo, mas era justamente tempo que me faltava para concretizá-lo, e acho que também ainda não era o momento, talvez se o tivesse criado antes, não estivesse sendo tão especial. Acho que as coisas só acontecem no momento exato, não adiantando forçar ou queimar etapas.




A verdade é que ando muito envaidecida com ele e, confesso que ele tem se tornado uma paixão. Procuro me dedicar ao máximo, e todos os textos que ponho aqui são produzidos com muito carinho e, principalmente, com muita, mas muita paixão. Acredito que quando fazemos as coisas com paixão, as pessoas sentem; acho que por isso tem dado tão certo. Até lembrei agora do filme Como Água para Chocolate, em que uma das personagens, de cujo nome não me lembro, vai para a cozinha preparar o almoço para a família e, como ela estava muito excitada, cheia de paixão e desejo, esses sentimentos são depositados na comida e todos passam a sentir o mesmo após sua ingestão. É muito engraçado! :)




Acho que é isso que está acontecendo comigo e com os leitores do Letras & Arte. Estou depositando aqui toda paixão que há em mim: meus sonhos, minhas angústias, minhas alegrias, meu amor pela Literatura, minhas emoções de um modo geral. Nem todo mundo tem coragem de dividir tais sentimentos com os outros, talvez por medo de parecer ridículo, talvez por medo de parecer fraco, não sei...o que sei é que sou humana e preciso extravasar minhas emoções. Quero dividir com os outros tudo de mais verdadeiro que há em mim. Não há porque manter os sentimentos ocultos, somos seres humanos e temos dentro de nós nossa maior riqueza: nossa interioridade. Precisamos arrancar as máscaras e deixar de ter medo de nos mostrar, porque não há nada mais belo nem mais fascinante do que um ser humano em sua essência.




Continuem visitando!




Divulguem!




...e se não for abusar, continuem elogiando! :)




Um grande beijo.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Remexendo os Clássicos


Estava eu a remexer em uns papéis, quando encontrei este fragmento de Sartre e achei que deveria postá-lo aqui no blog para dividir com vocês estas tão doces, sábias e nostálgicas palavras deste grande pensador; alguém que, indubitavelmente, viveu mais e melhor que nós, pois passou toda a sua vida em um planeta chamado "Livro".




"Deixaram-me vagabundear pela biblioteca e eu dava assalto à sabedoria humana.

Foi ela quem me fez (...)

As densas lembranças, e a doce sem-razão das crianças do campo,

Em vão procurá-las-ia eu em mim.

Nunca esgaravatei a terra

Nem farejei ninhos, nem joguei pedras nos passarinhos.

Mas os livros foram meus passarinhos e meus ninhos; meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo.

A biblioteca era um mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade."



(Jean Paul Sartre)

Romantismo em Portugal: Almeida Garrett

(Márcia Oliveira)

Em meados do século XIX, Portugal encontrava-se politicamente dividido. De um lado, o apoio do governo britânico; de outro, as ameaças de invasão pelas tropas francesas de Napoleão. Com a vitória inglesa sobre Napoleão Bonaparte, inicia-se um período ainda mais conturbado para o povo luso: a submissão ao governo britânico que, juntamente com as influências dos ideais iluministas, provocaram nos portugueses um forte sentimento nacionalista.


Eclode então, em 1817, a famosa "Revolução do Porto", liderada por Gomes Freire. Tal revolução é rapidamente sufocada pelo exército inglês, porém trata-se de um acontecimento de suma importância por ser a primeira manifestação portuguesa contra a instabilidade política e a intolerância ideológica. A partir daí, inicia-se um longo confronto entre Miguelistas (defensores das pretenções absolutistas de D.Miguel) e Liberais (adeptos de D.Pedro I do Brasil, que prometia um governo constitucional para o país).


É óbvio que a situação política e cultural de um país reflete em sua vida artística e intelectual. Desssa forma, devido às influências iluministas e à falta de condições político-culturais favoráveis ao desenvolvimento de uma corrente estética voltada para o sentimentalismo, o Romantismo português só veio se expandir em 1834, com Almeida garrett e Alexandre Herculano (sobre este último, falaremos mais tarde, em outro texto).


Com uma notória formação arcádica e iluminista, é difícil consagrar Almeida Garrett em uma única escola literária. E, por mais que tenha exilado-se na Inglaterra e acreditem-se ter sofrido as influências do Romantismo inglês (Lord Byron, Walter Scott e o teatro de Shakespeare), Garrett nunca se auto-intitulou romântico e muito menos classicista; ao contrário: afirmava não seguir regras nem modelos.



Assim, quando no exílio em Paris (1825), publica o enorme poema Camões, Almeida Garrett demonstra toda sua capacidade inovadora diante da arte. Adota uma postura romântica no prefácio, mas a dilui no texto em si, ao eleger como herói um Camões dividido entre dois amores: o que sente pela mulher, que lhe é recusada, e o que dedica à pátria. Garrett serve-se do herói lusitano para defender, durante o exílio, os ideais liberais que almejava ver instaurados em Portugal. Logo, admite-se que esta obra tem valor mais por suas conotações políticas que pela estética romanesca propriamente.



Em Folhas Caídas, obra onde o referido autor adota uma postura mais romântica, mais reflexiva, percebe-se um conflito aberto e latente entre a idéia cristã de pecado original e um erotismo que, durante toda a sua carreira, apresenta-se das mais diversas formas.



A obra, dividida em dois livros (Folhas Caídas e Flores sem Frutos), é considerada autobiográfica, pois retrata seu ilícito relacionamento com uma mulher casada - a Viscondessa da Luz - e o título, Folhas Caídas, trata-se de uma alusão à relação outonal; passageira, mantida entre os dois amantes.



Em seus poemas, o erotismo vai de encontro à idéia do "desejar sem amar". para ele, este amor não é virtuoso e, portanto, pode levá-lo ao inferno. Um amor que é fonte de prazer e dor.


No primeiro livro, o poema Ignoto Deo (Ao Deus Desconhecido), que remete ao Classicismo, pois, dentre outras coisas, utiliza termos em latim, faz referência a um Deus que, embora desconhecido, é nele que o poeta acredita.


Depois disso, surgem características romanescas, como: a idealização da mulher (o ser amado visto, inicialmente, como angelical e inacessível); e depois, a decepção amorosa (o sofrimento de amor).



A maior contradição em Folhas caídas é justamente o sofrimento. O poeta sofre por não sentir o amor sublime; espiritual, sentindo apenas o desejo; o amor carnal pelo objeto desejado. E, apesar de sua descrição erótica, de limitar-se à esfera da carnalidade, Garrett se mostra profundamente anti-erótico.


No poema Anjo, o "eu" lírico oscila entre a auto-comiseração (piedade, ausência de culpa) e a auto-depredação. É importante lembrar que, há momentos na obra, em que ele não sente tanta culpa por desejar sem amar, porém, há momentos em que a própria mulher desejada deixa de ser anjo e torna-se vilã; culpada por seu sofrimento. isso está bem claro no poema Víbora, onde ele compara a mulher amada a uma víbora e diz que este amor é amaldiçoado e só provoca destruição.


No poema Não Te Amo (meu predileto), está bem clara a idéia de oposição entre "o amar" e "o desejar"; entre o amor sublime e o amor carnal:


"Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.E eu n 'alma – tenho a calma, A calma – do jazigo. Ai! não te amo, não. Não te amo, quero-te: o amor é vida.E a vida – nem sentida A trago eu já comigo.Ai, não te amo, não! Ai! não te amo, não; e só te queroDe um querer bruto e fero Que o sangue me devora,Não chega ao coração. Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau, feitiço azado Este indigno furor.Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não".


Apesar da crítica considerar Almeida Garrett um poeta menor, quando comparado a Bocage, por exemplo, considero-o um grande gênio da Literatura portuguesa, pois sua obra tem como tema central o amor e isso é levado ao leitor de várias formas(o que só revela sua criatividade). Seja sagrado ou profano, o amor é a temática de ouro dos grandes poetas, e Almeida Garrett soube expressá-lo muito bem, à sua maneira, o que, obviamente, o distingue de outros consagrados artistas portugueses.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Sociedade dos Poetas Mortos

(Márcia Oliveira)


Hoje, saí com alguns amigos para assistir a uma sessão de cinema num Centro Cultural aqui de minha cidade, um lugar que adoro freqüentar. A sessão era gratuita e o filme, uma produção de 1989 (vencedora de um Oscar) que eu (e acho que vocês também) já havia assistido. No entanto, acho que a emoção que o filme despertou em mim da primeira vez que o vi não teve a mesma intensidade de agora.


O filme era Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society), dirigido por Peter Weir.Conta a história de um ex-aluno da escola preparatória Weltom Academy (uma escola muito conservadora, só para garotos),que se torna o novo professor de Literatura.


O novo professor, Jonh Keating, vivido pelo maravilhoso Robin Williams, chega, já em seu primeiro dia de aula, chocando a turma, numa aula inicial impressionante, onde mostra aos alunos fotos e troféus de ex-alunos da escola, os quais foram educados dentro do método tradicional e severo que a escola propõe e pergunta a eles se acham que as vidas daqueles ex-alunos valeram a pena. Ele não obtém uma resposta, mas consegue deixar seus alunos intrigados.


O objetivo do Sr. Keating é fazer com que os alunos da Weltom Academy aprendam a pensar por si mesmos.Ele acredita que devemos aprender Literatura da forma mais humana possível. Para ele, a poesia existe porque somos humanos e precisamos expressar nossa subjetividade.


Uma das cenas mais marcantes é a cena em que o Sr. Keating chega à sala de aula e pede para que um aluno leia um texto do livro sobre Poesia, escrito por um autor didático conservador. O livro ensina como compreender a poesia. Conceitua a poesia como se estivesse explicando um cálculo matemático, com gráficos e tudo mais. O Sr. Keating reproduz o gráfico no quadro e, em seguida, pede aos alunos que rasguem a página do livro. Inicialmente, todos ficam assustados e hesitam fazer isso, até que o primeiro se enche de coragem e rasga a página.Depois disso, todos os outros rasgam a página também. A cena é muito linda! Ele explica que a poesia deve ser vivida e que não há métodos para se entendê-la. "O importante não é o que o autor ou o professor pensam, mas o que você pensa sobre o texto", diz ele.
Outra cena que me arrancou lágrimas dos olhos foi a cena em que Todd Andersen, um menino inseguro, reprimido pela família e pela escola, que quase não falava, pois tinha medo de se expor em público,consegue, levado para a frente da sala pelo Sr. Keating, recitar fragmentos de poesia.A cena é conturbada e emocionante. Todd, induzido pelo professor, balbucia palavras arrancadas de seu "eu" mais profundo. Isso me levou a pensar que um certo autor que li, cujo nome não lembro agora, tinha razão em dizer que todos nós somos poetas, apenas não sabemos disso.A poesia está dentro de nós e pode se manifestar de várias formas: num texto, numa conversa, numa atitude, num gesto...enfim, todos nós somos capazes de realizar poesia, basta que não tenhamos medo de expressar nossos sentimentos.


E não preciso dizer que dentro de uma instituição de ensino conservadora, os métodos revolucionários de ensino do Sr. Keating foram bastante perseguidos.Ele marcou a vida de seus alunos ao ensinar a eles que nunca desisitissem de seus sonhos e que buscassem sempre mostrar sua verdade interior, sua subjetividade, pois só assim seriam livres...o homem só é livre nos sonhos.


O professor mais inusitado da escola passa a ser chamado, carinhosamente, pelos alunos de "capitão" (captain). Eles descobrem então que Keating, quando fora aluno da Weltom, participou de um grupo que se reunia para discutir poesia, tal grupo era chamado Sociedade dos Poetas Mortos, e resolvem resgatá-lo.


O grupo passa a se reunir, clandestinamente, todas as sextas-feiras em um esconderijo. As reuniões são livres e todos demonstram bastante interesse pela poesia, mesmo sendo ainda iniciantes. Os garotos demonstram inteligência, companheirismo e bastante sensibilidade; declamam poemas, tocam instrumentos e discutem poesia! O Sr. Keating sempre os incita a tomar coragem, leva-os para aulas ao ar livre e para fazerem exercícios físicos, pois acredita que o esporte serve para dar mais autonomia e segurança ao homem.


Com o novo professor, os meninos da Weltom Academy passam a viver mais intensamente suas emoções: amores, conflitos, sonhos...tudo é vivido com mais intensidade. O mesmo acontece com a platéia, que se emociona, ao ver a coragem dos garotos e a paixão do Sr. Keating pela profissão, pela vida e, principalmente, pela Literatura.


Foi isso que me emocionou tanto no filme:a paixão.Vivo um momento de mudanças, de sonhos a serem conquistados.Quero ser como o Sr. Keating: entrar em uma sala de aula não para ensinar os métodos didáticos tradicionais de Literatura, que não ensinam o aluno a pensar, que não despertam neles a paixão;mas para mostrar a eles o quanto a Literatura pode ser importante em suas vidas; no desenvolvimento do raciocínio crítico, na sua forma de pensar o mundo,no auto-conhecimento; no exercício da subjetividade de cada um.


O Sr. Keating, assim como outros "professores-personagens" de filmes igualmente apaixonantes (Um adorável Professor, o Sorriso de Monalisa, estes foram os que consegui lembrar), tornou-se um modelo a ser seguido para mim.

Se eu conseguir marcar a vida de meus alunos,mudar sua forma de pensar, ser um modelo para eles, assim como alguns professores da vida real foram para mim, tenho certeza de que não terei passado por este mundo em vão e de que as pessoas não são imutáveis, nem o mundo está perdido. Estarei absolutamente certa de que esta vida realmente terá valido a pena. Carpe Diem!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Diário

(Márcia Oliveira)


Bem, saindo um pouco dos clássicos e voltando aqui, ao mundo dos simples mortais, gostaria de falar um pouco sobre o momento que vivo. Em primeiro lugar, é preciso dizer que isso aqui vicia, sempre que estou de bobeira em casa dá vontade de correr para a frente do computador para dividir com os outros minha paixão por Literatura...mas, voltando ao assunto, vivo um momento de maturidade pessoal e profissional, um momento de muita expectativa, angústia e medo. Estou terminando minha licenciatura em Letras e pretendo ensinar Literatura e Língua Estrangeira (Inglês), mas tenho medo de falhar...tenho medo de não conseguir ser a professora que sempre sonhei ser, apesar de já ter tido algumas poucas experiências com o magistério bastante satisfatórias.


Lembro-me com alegria de todos os professores que marcaram minha vida, do mais sizudo ao mais palhaço; lembro-me da minha primeira professora, tia Ângela...nossa, como faz tempo! Eu a amava como se fosse minha segunda mãe; meu primeiro professor de Literatura, Henrique (na 7ª série), que me chamava "minha bailarina"; lia minhas redações para a sala inteira escutar, me elogiava e dizia que eu seria uma escritora, uma poetisa. Não sei se ele tinha razão, mas sei que gostaria muito de ser como ele, ou como eles: professores que levam a sério a importância e o valor da educação, que sabem transmitir conteúdos e que são especiais para seus alunos.


Estou adorando a idéia do blog, sou muito saudosista e acho que ele está me servindo, dentre outras coisas, como uma espécie de "Diário do curso de Letras", meu primeiro livro virtual de memórias, pois aqui registro grande parte de meus trabalhos, provas, ensaios, resenhas, enfim...os momentos mais importantes que vivi na graduação. Momentos estes que levarei sempre comigo (já sinto saudades!), e prometo que tudo de bom que a comunidade acadêmica me ensinou, plantarei na sala de aula e regarei todos os dias.

Sobre Pessoa...


"Não me lembro exatamente quando, pela primeira vez, conheci Fernando Pessoa. Adolescente e estudante do clássico, já ouvia alguns trechos de seus poemas como Tabacaria, Poema em Linha Reta, Autopsicografia ('O poeta é um fingidor'...) que vinham para mim como provérbios, sabedoria popular, já faziam parte da língua, e tudo aquilo me encantava. 'Mensagem' foi o primeiro livro com que tive contato, e já na faculdade. Me apaixonei.


O que mais me impressiona em Fernando Pessoa é que temos a felicidade de ver a inteligência, o caminho da razão, a lucidez, exposto em forma de poesia. Eliot é considerado o grande poeta moderno; então, diversas vezes perguntei a amigos quem eles achavam melhor, se Eliot ou Pessoa, e a pergunta sempre causou mal-estar. Eu prefiro Pessoa, ainda que adore Eliot e reconheça sua grandeza. A resposta é difícil, pois acontece que Pessoa é vários, por isso irregular. Diria assim: Eliot só tem jóia e Pessoa qualquer coisa...


O simples fato de já ter encontrado versos de Pessoa como tradição de nossa língua, necessariamente faz com que ele esteja também em mim."
(Caetano Veloso)

Tropicália:30 anos

(Márcia Oliveira)

Movimento cultural surgido no fim da década de 1960, que utilizando o deboche, a irreverência e o improviso, revolucionou a música popular brasileira, até então dominada pelos princípios estéticos da Bossa Nova. Liderado pelos músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil, o Tropicalismo usa as idéias do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade para utilizar elementos estrangeiros que entram no país e, por meio de sua fusão com a cultura brasileira, criar um novo produto artístico.




O Tropicalismo é o movimento da contracultura. Utilizando valores diferentes dos permitidos pela cultura dominante, incluindo referências consideradas cafonas, ultrajadas ou subdesenvolvidas, atingem, diretamente, o mundo artístico dominado pela elite brasileira.




Os artistas da Tropicália estavam cansados dessa visão elitista e do preconceito nacionalista presentes no cenário musical do Brasil. Acreditavam na necessidade de aproximar os jovens da arte popular, jovens estes que se viam cada vez mais fascinados pelo "iê-iê-iê" e pela batida pop dos Beatles. E, diferentemente da Bossa Nova, a Tropicália não pretendia sintetizar um estilo musical, mas sim instaurar no país uma nova atitude. Sua participação na cena cultural brasileira foi, antes de tudo, crítica (e não alienada, como diziam).




Canções como "Alegria, Alegria" (Caetano Veloso) e "Domingo no Parque" (Gilberto Gil) são consideradas marcos oficiais do novo movimento e já chegaram ao público provocando enorme polêmica no III Festival da Música Popular Brasileira da Tv Record, exibido em outubro de 1967. A grita foi geral: setores de esquerda da época classificaram a influência do rock como marca de alienação cultural nos tropicalistas. Fora isso, shows foram cancelados, letras de Caetano e Gil foram completamente ou parcialmente vetadas e os dois foram condenados ao exílio.




A Tropicália criticava fortemente os valores ético-morais da sociedade brasileira da época, que se encontrava sob o domínio de uma ditadura militar. O casamento era (mais do que hoje) um valor burguês tido apenas como instituição financeira. Os tropicalistas acreditavam que a vida era curta demais para se esperar pelo processo histórico. Eles queriam viver, amar, caminhar livremente, sem se preocupar com a "ordem e o progresso", por isso foram tão perseguidos. Para eles, o que importava era a busca da felicidade e, seguindo a linha da filosofia de Epicuro, acreditavam que a felicidade estava na liberdade; na autonomia.




Apesar de ter se revelado tão explosiva quanto breve (com pouco mais de um ano de vida oficial), a Topicália continuou influenciando gerações posteriores de artistas da música popular brasileira, como: Ney Mato Grosso, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e muitos outros. E, ao contrário do que muitos pensam, também ficou conhecida internacionalmente, com diversos artigos publicados no periódico norte-americano The New York Times e na revista britânica The Wire, o que destaca sua posição e sua devida importância no modo de pensar a arte brasileira que, certamente, não foi a mesma após o movimento tropicalista.




Gostaria que os poucos representantes da Tropicália que ainda existem ainda tivessem essa garra, esse espírito revolucionário e, sobretudo, essa vontade de fazer música com a cabeça...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Morte & Vida Severina, João Cabral de Melo Neto

(Márcia Oliveira)
"...E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida;mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida;mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina;mesmo quando é a explosãode uma vida severina."
(Morte e Vida Severina)



Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal pernambucano escrito entre 1954 e 1955. É apresentado em 18 cenas que se dividem em 2 partes, onde todas as cenas são representadas por um título explicativo, uma espécie de resumo do poema em si mesmo. Trata-se de uma envolvente e criativa alusão da tradição natalina do Sertão, simbolizando o nascimento de Cristo.

O auto narra a história de Severino, um retirante nordestino, um sem-nome que representa todos os iguais a ele e, durante as 12 primeiras cenas, descreve sua peregrinação que segue do rio Capibaribe, fugindo da morte e a encontra em todo lugar, chegando a perder suas esperanças de continuar sua luta pela vida.



A obra carrega já em seu título um forte jogo sintagmático, numa alusão ao tipo de vida e de morte que pessoas sofridas como Severino têm. "Severina" vem de "Severino". Ocorre aí uma adjetivação do substantivo próprio, característica muito recorrente em toda a obra de João Cabral e parece ser uma tentativa de esclarecer ao leitor a vida sofrida do protagonista a que a morte preside.



Desde a primeira cena, Severino exige o caráter comum de seu nome, porém não consegue se identificar através dele. Somente após a sua morte é que consegue ser um homem comum, igual aos outros sertanejos. Este é o momento da despersonalização, em que ele passa da representação da individualidade para a da coletividade. Um Severino passa a simbolizar todos os outros.



O pernambucano João Cabral de Melo Neto pertenceu, cronologicamente, à geração modernista de 45. Apenas cronologicamente, porque sua obra pouco tem a ver com a temática deste período, mas sua produção literária data de 1944, data obrigatoriamente includente dos autores nesta geração. Sua poesia é aberta a novos caminhos e ele tem uma forma muito pessoal de criar versos. A linguagem é concisa, seca e cheia de imagens visuais. Em Morte e Vida Severina, há uma clara personificação do rio Capibaribe, um dos principais traços de sua poesia, além, é claro, de sua óbvia precisão poética.


Esta obra, um clássico da Literatura Brasileira, é um poema de participação social. Retrata as condições do homem nordestino sem sentimentalismos, de forma clara e real. Recomendo!
P.S:Esta análise que vocês acabaram de ler foi a primeira questão de uma prova de Literatura. Fui a última a terminar,o professor não parava de olhar para o relógio... não sei como deu tempo, ufa! :)
...mas valeu a pena! Literatura sempre vale a pena...

Fanatismo: Florbela Espanca

(Márcia Oliveira)



♪Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim, enlouquecida... Passo no mundo, meu Amor, a ler, no misterioso livro do teu ser, a mesma história tantas vezes lida!
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...” Quando me dizem isto, toda a graça duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros: “Ah! podem voar mundos, morrer astros, que tu és como Deus: Princípio e Fim!...” ♪



Não poderia deixar de prestar minha homenagem a esta importante poetisa das Letras Lusitanas, Florbela Espanca, natural de Vila Viçosa (Alentejo - Portugal), de cuja poesia é uma das mais expressivas e femininas da Literatura de língua Portuguesa.


Este poema, intitulado Fanatismo, musicado pelo cantor e compositor cearense Raimundo fagner, tornou-se um dos maiores sucessos da MPB e revela muito bem os temas mais recorrentes da poesia de Florbela, como o exagero, o sofrimento, a solidão e o desejo de felicidade, algo que só pode ser alcançado no absoluto, no infinito.


Influenciada por Antero de Quental e, mais longinquamente, por Camões, Florbela tem na técnica do Soneto o ápice de sua poesia, marcada pela passionalidade de sua linguagem, algo muito pessoal e centrado nas suas frustrações sentimentais, como os diversos casamentos falhos, o que lhe provocou fortes desilusões amorosas. Há em sua poesia um sensualismo, muitas vezes erótico e, simultaneamente, a presença da paisagem natural do Alentejo, o que simboliza a relação da subjetividade interior da poetisa com a natureza.


Vale a pena conferir a sua obra completa!
Comente!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Conto: A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa

(Márcia Oliveira)


O livro Sagarana reúne uma coletânea de contos de cunho regionalista em que se verifica toda a inventalidade de Guimarães Rosa, no que diz respeito à sua linguagem literária e às suas técnicas narrativas. Os contos abordam temáticas como a aventura, os animais metaforizados em pessoas, reflexões fincadas na subjetividade e espiritualidade, assim como também na morte. O livro apresenta grande expressividade e originalidade. A obra e seu autor estão inseridos na terceira fase do Modernismo brasileiro ou Neomodernismo, como preferem muitos.


Mas, um de seus contos, em especial, me chamou muita atenção e tornou-se, inclusive, tema de um ensaio produzido para a disciplina de Literatura Brasileira IV da universidade, o qual me rendeu muitas alegrias e me proporcionou muito prazer. Trata-se do último conto da obra, intitulado A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Uma história rica em alegorias e questionamentos de cunho universal, que nos fazem refletir acerca dos eternos conflitos interiores e exteriores vividos pelo homem.


A Hora e a Vez de Augusto Matraga narra as peripécias heróicas de um homem peculiar do sertão de Minas Gerais, e assim como toda a obra de Guimarães Rosa, focaliza o regional mineiro e capta aspectos físicos, sociais e psicológiocos do meio interiorano.


A história tem como pano de fundo a luta entre o bem e o mal e, conseqüentemente, todo o sentimento de angústia, de medo, de culpa e de vergonha decorridos de uma tomada de consciência do homem que, influenciado pelos acontecimentos e pelo mundo das idéias cristãs, opta por uma dessas forças.


Personagens:


1. Augusto Matraga: na verdade, Augusto Esteves, filho do Cel. e fazendeiro Afonso Esteves. Um homem valentão e temido por todos, que deixava a mulher e a filha em casa enquanto bebia e vadiava com prostitutas. Um dia, já cheio de dívidas, perde os amigos e a mulher. Leva uma surra e é dado como morto. Depois disso, se converte e morre preocupado em salvar sua alma.


2. D. Dionóra: mulher de Augusto Matraga. Desprezada pelo marido, foge com outro homem. Nunca mais volta a ver o marido.


3. Mimita: filha de Matraga. Foge com a mãe, mas depois cai na vida em companhia de um homem desconhecido.


4. Sr. Ovídio Moura: homem com quem a mulher de Matraga foge.


5. Quim Recadeiro: amigo fiel de Matraga. Quando matraga leva uma surra e é dado como morto, Quim tenta vingá-lo e termina sendo assassinado pelos capangas do major Consilva.


6. Major Consilva: poderoso latifundiário e inimigo de Matraga. manda matá-lo após uma emboscada.


7. Mãe Quitéria e Pai Serapião: casal de negros que cuida de Matraga após ter sido vítima de uma emboscada. Este casal lhe ensina a moral cristã.


8. Joãozinho Bem-Bem: homem valente e temido. Tem muita afinidade com Matraga, porém ambos morrem no final, após lutarem um contra o outro.


9. Angélica e Siriema: prostitutas leiloadas numa festa popular ocorrida no início do conto. Matraga ganha Siriema por que era temido. Ele prefere Siriema à Angélica por esta ser branca, mas, ao vê-la sem roupa, desiste de possuí-la por considerá-la muito feia. (exigente o moço, não? rsrs...)


10. Padre: é chamado pelo casal de negros para abençoar Matraga e diz a ele: "sua hora chegará". Esta frase é lembrada por Matraga até o final da história sempre que lhe vêm à memória as injúrias que sofreu.


A Hora e a Vez de Augusto Matraga já rendeu muitos estudos de antropólogos e cientistas sociais, devido à riqueza em elementos culturais brasileiros. O antropólogo Roberto da Matta salienta que o herói Augusto Matraga é, na verdade, um "renunciador", ao passo que célebres personagens da Literatura Universal, ao contrário dele, preferiram seguir em busca de vingança, como o famoso Conde de Monte Cristo, best-seller de Alexandre Dumas.


Embora muitos estudos tenham sido elaborados com opiniões divergentes, percebí detalhes muito claros na essência do texto. A moral da história é a conversão cristã do protagonista. O rito de passagem (característica recorrente nas obras de Rosa) nada mais é do que uma forma simplificada da passagem de pecador a cristão.


Numa visão mais global e intertextual, vemos na saga de Matraga uma semelhança muito forte com a saga de Cristo, pois Augusto Matraga morre em nome da esperança e da salvação não só de sua alma, como também de outras almas. Ele entra em confronto com Joãozinho Bem-Bem para salvar uma família, que de uma forma alegórica, pode estar representando a sua própria família. Aliás, a família é um elemento de grande relevância na obra de Rosa, ela é sagrada e está sempre no topo de um pedestal. Salvar aquela família das garras de um bandido era, para Matraga, o mesmo que resgatar a sua própria família.


O local onde é travada a luta entre Joãozinho e Matraga lembra a Via-Crucis. No Brasil, lembro-me muito bem desta passagem bíblica retratada na letra da canção Faroeste Caboclo, de Renato Russo, no auge do sucesso como líder da banda Legião Urbana. O João de santo Cristo, "um homem santo porque sabia morrer", travava uma luta com o bandido Jeremias, um perigoso traficante da cidade de Brasília. No confronto, João morre heroicamente, salvando sua alma de todos os pecados que cometera. E assim como Matraga, João de Santo Cristo também perdoa sua amada (Maria Lúcia) pela traição de ter fugido com outro.


Sem dúvida, a morte representa o ápice do heroísmo para a moral cristã. Ela corresponde a um ritual de purificação da alma, ritual também presente em obras como O Barão, do escritor português Branquinho da Fonseca, autor pertencente ao Presencismo, uma espécie de primeiro momento do Modernismo em Portugal. A diferença é que em Branquinho da Fonseca a purificação é representada pelo vinho e não pela morte, mas em Guimarães Rosa, a morte é, indubitavelmente, o passaporte humano para a vida eterna no céu.


O arrependimento e o perdão, dois elementos essencialmente cristãos, constituem parte do processo de purificação. Augusto Matraga, ainda em vida, arrepende-se de ter perdido sua família e, a partir daí, tem início seu processo de conversão cristã. E a efetivação dessa conversão se dá quando, no momento de sua morte, Matraga perdoa seu assassino, perdoa sua mulher e pede que abençoem sua filha.


Esta é a Hora e a Vez de Augusto Matraga. É o momento da redenção. A salvação que ocorre por meio da vontade; da obstinação, algo muito forte no personagem. Ele entrega sua vida em nome do amor ao próximo, em nome do amor de Deus e morre feliz por ter cumprido sua missão, por ter se tornado cristão.


Espero que tenham gostado desta pequena amostra do ensaio e que eu não tenha contado tantos detalhes da história, a ponto de estragar a surpresa da leitura (rsrs). Mesmo assim, Sagarana possui muitos outros contos, todos muito bem construídos e apaixonantes, bem como toda a obra de Guimarães Rosa.


Letras & Arte: por quê?


(Márcia Oliveira)


Este blog nasceu do desejo de uma estudante de Letras de utilizar a força interativa da internet para bons fins. Nesta enorme e democrática rede podemos fazer um pouco de tudo: nos divertir, esquecer as dificuldades do dia-a-dia, nos informar, nos alienar, enfim...o uso benéfico ou não da internet fica a critério de cada um.


Pensando nisso, resolvi criar o Letras & Arte, um blog que relaciona Literatura a outros tipos de arte. Aqui, teremos um variado cardápio: além de literatura, música, teatro, dança e muito mais...tudo relacionado à nossa arte-mor: a Literatura. Sua principal característica é a diversidade; a liberdade de escolha. Podemos escolher nosso conteúdo eletrônico, temos muitas opções. Será um verdadeiro banquete da arte! Sinta-se à vontade para degustá-lo!





Um abraço.