domingo, 14 de setembro de 2008

Ecos: abrindo gavetas...

Márcia de Oliveira
Como já mencionado no texto anterior, orgulha-me muito o fato de ser amiga de alguém tão especial como Luiz de Almeida. Um ilustre habitante da bonita Piraju, no interior paulista, artista plástico, poeta, ensaísta, autor do blog Retalhos do Modernismo e de Ecos, uma coletânea de poemas que caiu em minhas mãos, purificando o meu espírito, e que vem gerando grandes transformações no meu modo de ver e pensar o mundo.
De antemão, peço desculpas a todos os meus outros amigos também poetas, escritores, jornalistas, pessoas que fazem deste blog um verdadeiro paraíso literário, que mais nos lembra um agradável banco de praça, onde podemos nos encontrar para sentar e conversar sobre aquilo de que mais gostamos: literatura. Não quero que pensem que, pelo fato de ainda não estarem aqui, são menos dignos de minha admiração, muito pelo contrário: nossas vozes sempre ecoarão juntas aqui neste grande sarau do Letras & Arte.
Peço permissão então para iniciar, junto com vocês, a abertura das surpreendentes gavetas de Luiz de Almeida, gavetas de onde ecoam gritos, desejos, histórias e longas noites insones de intensa produção literária.
Ecos traz seu primeiro capítulo, ou melhor, sua primeira gaveta intitulada Frutos I, que se inicia com uma máxima reflexão sobre a insônia: “Para o ignorante e/ou preguiçoso, a insônia é uma doença. Para o poeta e para o sábio, uma virtude”. Sem dúvida alguma, a noite, calada e obscura, sempre nos rendeu grandes poetas. Desculpem a minha insensibilidade, mas é muito bom saber que enquanto dormimos existe alguém pensando e transcrevendo esses pensamentos para o mundo real. Pensamentos, sentimentos que, ao serem transcritos, transformam profundamente o humano no sentido intrínseco do ser. Sublimação.
O primeiro eco retirado da gaveta apresenta e justifica todos os outros. Ecos, meus ecos são gritos que despertam, sacodem, repelem, acolhem; mas, acima de tudo, nos carregam para um infinito interior e nos fazem refletir sobre nós mesmos. Quantos de nós já não calamos algum grito? Quantos de nós já não engavetamos um sonho ou uma indignação?
Os gritos ecoados das gavetas de Luiz de Almeida são gritos que denunciam o peso do silêncio dos inocentes mortos, das crianças famintas, dos doentes, das mães desamparadas, das prostitutas, dos negros, dos órfãos...
Sua temática é a temática da realidade, das ruas das grandes cidades, dos bares, das fábricas, das favelas, das praças; do operário, da dona-de-casa, do analfabeto, do pobre, de toda a gente brasileira:
“(...) Ecos, meus ecos... Ecos da fome E da indiferença, Ecos da perambulação E da prostituição, Ecos da pobreza E da ignorância”.
Mas como sua poeticidade é infinitamente diversificada, outros elementos também se destacam, além dos temas sociais. O lirismo marcado pela presença da infinitude da noite, da solidão, com pequenas doses de naturalismo e uma linguagem às vezes metaforizada, às vezes limpa e clara.
“(...) Desacato e atrevimento é dizer que a noite é uma calada. Talvez e somente em alto mar, numa jangada”...(p.29)
“Um vazio melancólico, que entra e que sai. Uma tristemania, Que fica e que vai. Um grande silêncio É provado por alguém, Que deixa um alguém Sem ninguém, Só”. (p.33)
“(...) Uma pestana e uma acordada e, de repente, em sua frente, ela pelada e cheirando a suor e também muito aguardente”...(p.23)
“(...) E o enterro subiu a rua nua E desceu na sepultura escura”... (p.31)
E o fazer pensar, acompanhado do mais singelo lirismo, continua em todos os Frutos, em todas as gavetas do Ecos. Preciso confessar que ele já se tornou meu livro de poemas de cabeceira. É tão eloqüente, tão verdadeiro, tão puro, mesmo quando fala de coisas impuras, como a política no poema Politicagem (p.51):
"Um jogo que não tem regras E muito, muito menos verdades. São promessas infundadas, Nunca cumpridas. Falsidades e risos adulterados E sem vontade Crenças, muitas crenças... Inócuas. Palavras e idéias quase sempre falidas Injúrias e calúnias sempre formuladas. Esquece-se da vida do homem Que acaba sempre desmoronada, perdida... (...)o povo, sempre marginalizado, só lembrado por ser o eleitorado.
Depois, bem logo depois O esquecimento que foi por ele votado. (...)Passa-se um tempo e vêm novos eleitorados que serão novamente enganados. Os politiqueiros famintos, Famintos pelo voto e também A cada vez, mais e mais, Por tudo aquilo que os deixam Abonados".
Abro um parêntese para dizer que, numa época em que vivemos um período de eleições municipais, achei muito pertinente transcrever estes fragmentos do poema. Assim, podemos pensar juntos sobre tudo aquilo que estamos fazendo nas urnas eletrônicas e, sobretudo, naquilo que os políticos não fazem fora delas.
Mas, voltando às coisas boas da obra, é imprescindível dizer o quão notável é a vida do autor em cada poema, em cada palavra, em cada verso. Acho que ainda não mencionei a vocês que não tive o privilégio de conhecer Luiz de Almeida pessoalmente. Somos amigos sim, grandes amigos; só que virtuais. A distância física e geográfica não foi capaz de impedir uma relação fraterna e dileta como a nossa. Venho lendo os trabalhos de Luiz e me comunicando com ele através de missivas virtuais há mais ou menos uns dois anos. E confesso que tenho poucas amizades presenciais tão verdadeiras e agradáveis quanto esta.
Apesar de conhecê-lo pouco e há pouco, percebo nas entrelinhas do Ecos o quanto sua vida simples, interiorana, na pequena Piraju influencia sua literariedade. Seu amor pelas letras, pelas pesquisas literárias; seus momentos, sua vida familiar, cercada de amigos, de pessoas que o amam e, sobretudo de livros, dos livros que tão bem conserva em sua biblioteca são a fonte inspiradora da maior parte de seus frutos. Seus ecos, seus gritos pela justiça e o bem comum, provavelmente são oriundos de sua aproximação com a grande São Paulo, cidade que, apesar do caos social, também apaixona pela grandiosidade e por ser o berço da arte moderna brasileira, da Semana de Arte Moderna, realizada em 1922, uma das maiores paixões de Luiz de Almeida.
“Quando se ama alguém Nunca deve-se dizer: Te amo muito...de coração Se realmente ama, Deve-se dizer: Te amo muitíssimo... Com toda minh’alma. Não se pode esquecer que O coração pára e morre E a terra o consome. A alma...é imortal”. (p.117)
Só me resta dizer o quanto me sinto honrada de ser amiga deste grande escritor e de poder ter aberto para vocês uma parte de suas gavetas. Fico feliz de ter ajudado a apresentá-las ao mundo, pois gavetas como estas não devem permanecer fechadas e tão pouco seus ecos permanecerem calados. Gavetas abertas, gritos ecoados, almas libertas!
Parabéns, Luiz!
Um grande abraço a todos.

4 comentários:

Unknown disse...

Dileta Marcinha:
Não poderia deixar de cravar aqui meus eternos agradecimentos pelo texto postado. Agradecer pelo teu carinho, pela confiança depositada nos textos do meu livro Ecos, mas principalmente, pelo fato de Você acreditar nas mensagens que fluem dos textos - Muitos deles, poeticamente, indefidos. Mas, o meu objetivo é a mensagem que medra do âmago de cada palavra, cada estrofe, cada verso, cada título, cada frase solta ou daquela que se desgarra do texto e do contexto.
Não tenho, realmente, palavras para evidenciar minha emoção e minha alegria. Você vai me assassinar desse jeito. Não estou mais na idade para fortes emoções.
Não existem palavras que possam oferecer o verdadeiro significado do meu eterno agradecimento.
Este é apenas um preâmbulo da terceia missiva. Duas são dívidas, agora mais uma. Pode ficar tranquila que não vou entrar no rol dos inadimplentes de missivas.
Abraço fraterno e carinhoso.
ESTEJA E SEJA E FIQUE FELIZ!
Teu Amigo, de verdade:
Luiz de Almeida

Márcia de Oliveira disse...

"Queriquerido" amigo,

Não há o que agradecer. A alegria é toda minha;apenas continue produzindo!

Forte abraço da sua dileta amiga! :)

Tania Anjos disse...

Olá, Márcia!

É com grande satisfação que venho postar um comentário sobre "Ecos: abrindo gavetas...”.

E que gavetas!! Quantas preciosidades nelas contidas...

Estou encantada com o teu blog tanto pelo belíssimo visual quanto pelo conteúdo como um todo e, apresentar o trabalho do Luiz de Almeida é algo que enobrece ainda mais teu espaço.

Os poemas expostos, mostram o talento e a importância da voz do Luiz :

“(...) Ecos, meus ecos...
Ecos da fome
E da indiferença,
Ecos da perambulação
E da prostituição,
Ecos da pobreza
E da ignorância”.

O papel da poesia é por demais importante!

A partir de um poema podemos, além de fruir, aprender [e ensinar] .

Há todo um contexto que envolve uma composição poética.

Obviamente, cada tema tem seu objetivo. Mas nunca deixa de trazer questões importantes à criatura humana.

Sem dúvida alguma, o papel da poesia na literatura é o mais belo, difícil e tocante.

Não desmerecendo [de forma alguma!]a prosa e o drama, fazer poesia é como fazer humor. Nada fácil...

Bem, parabéns aos dois. Foi, mesmo, um presente tê-los conhecido aqui no Orkut.

É muito bom conhecer pessoas que nos acrescentam e comungam conosco as mesmas idéias e ideais. É muito bom ler os próprios anseios traduzidos em versos.

E você, Márcia, com toda “mansidão” foi fazendo uma bela análise literária!

Bravo!!

Um abraço carinhoso aos dois,
Taninha

joserlandio gomes da frança disse...

voce precisa voltar a se dedicar ao blog.
é de muita importancia.
vou divulgalo.
bom.
o meu blog
joserlandio1969.blogspot.com
esta dedicado a poemas.
porem poucos me mandaram poemas.
visto que não importante o romantismo hoje.
falta um poema seu.
deixo uma forte solicitação para continuar e atualizar o blog.
sua escrita é monumental.
seu admirador
joserlandio