segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Patativa do Assaré...

(Márcia de Oliveira)
O nome desta ave característica das caatingas nordestinas tornou conhecido em todo o Brasil (e até fora dele também) o poeta cearense Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, nascido a 05 de março de 1909 na serra de Santana, pequena propriedade rural do município de Assaré, ao Sul do Ceará. É o segundo dos cinco filhos de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, progenitores de uma família simples e batalhadora, que sempre lutou para sobreviver em meio às dificuldades climáticas e políticas do sertão nordestino.
Analfabeto de pai e mãe, "sem saber as letra onde mora", como diz em um de seus poemas, Patativa abandonou os estudos na 4ª série, alegando ser a escola totalmente sem importância; pois, segundo ele, "a professora falava muita besteira". Menino pobre, perdeu o pai aos oito anos de idade e desde então teve que ganhar a vida e garantir o sustento de sua família trabalhando com a enxada, na roça, de sol a sol.
Conhecido como o poeta da oralidade, do canto nordestino, Patativa prova que sua pouca instrução não lhe desproviu de expressar sua verdade interiror através da poesia. Seus versos, marcados pela oralidade, cantam a existência e denunciam injustiças sociais, propagando a consciência e perseverança do povo nordestino, que enfrenta a miséria e as mazelas da seca:
"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, não nego meu nome.
Olho para a fome , pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,Sou cabra da Peste, sou do Ceará."
Mesmo com sua facilidade em compor versos rimados desde menino, o velho Patativa nunca quis ganhar dinheiro em cima de seu dom. Compunha e apresentava seus versos aos amigos ou aos vizinhos em praças ou teatros, sem cobrar nada por isso. Para ele, a música e a poesia eram diversão, "apenas para passar o tempo". E por falar em tempo, passou toda a sua vida morando na mesma casinha simples de Santana, município de Assaré. Mesmo quando foi apresentado ao Brasil inteiro pelo cantor e compositor também cearense Raimundo Fagner, Patativa continuou mantendo a sua origem simples de homem do sertão.
Gravou discos, fez shows, participou de recitais e teve até um documentário em película produzido pelo cineasta Rosemberg Cariri, que falava sobre Patativa e a cultura nordestina. Seus poemas em cordéis foram publicados ocasionalmente por pesquisadores, músicos e amigos, em parcerias com pequenos selos tipográficos e hoje são considerados verdadeiras relíquias para colecionadores e amantes da Literatura.
"Sinhô Dotô não se enfade
Vá guardando essa verdade
E pode crê, sou aquele operário
Que ganha um pobre salário
Que não dá para comer."
A toada-aboio "Vaca Estrela e Boi Fubá", que narra a saudade da terra natal e do gado foi sucesso do 1º disco, A Terra é Naturá, em versão gravada por Luiz Gonzaga e logo depois por Fagner no LP "Raimundo Fagner", de 1980:
"Eu sou filho do Nordeste, não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinnho, num é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá.
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar".
Outro ponto marcante do mesmo disco é o poema Antonio Conselheiro, que narra a saga do messiânico desde os dias iniciais em Quixeramobim até a batalha final no Arraial de Belo Monte em Canudos. Patativa, com sua verve poética, reproduz fielmente a tradição das histórias orais contadas em rodas e mantidas pelos violeiros e repentistas do nordeste brasileiro.
Sempre perguntavam a Patativa o que ele achava do progresso, dos novos meios de comunicação. Em resposta a uma destas perguntas, ele canta suas autênticas convicções sobre o aparelho de tv:
"Toda vez que eu ligo ele
No chafurdo das novela
Vejo logo os papo é feio
Vejo o maior tumaré
Com a briga das mulhé
Querendo os marido alheio
Do que adianta ter fama?
Ter curso de Faculdade?
Mode apresentar programa
Com tanta imoralidade?!"
É ou não é para a gente se orgulhar? :)
Com sua saúde abalada desde os 91 anos de idade em virtude de uma queda e a memória já ficando comprometida, Patativa parou de compor versos. E como ele próprio explicou: "já disse tudo que tinha de dizer". No dia 08 de julho de 2002, Patativa morre, aos 93 anos, na sua terra natal, deixando um importante legado poético-literário para a cultura brasileira e uma imensa saudade no coração do povo cearense.
Salve Patativa!

domingo, 17 de agosto de 2008

“Gosto dos venenos mais lentos! Das bebidas mais fortes!
Dos cafés mais amargos! Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: E daí? Eu adoro voar!"
Descoberta do Mundo - Clarice Lispector