O nome desta ave característica das caatingas nordestinas tornou conhecido em todo o Brasil (e até fora dele também) o poeta cearense Antonio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, nascido a 05 de março de 1909 na serra de Santana, pequena propriedade rural do município de Assaré, ao Sul do Ceará. É o segundo dos cinco filhos de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, progenitores de uma família simples e batalhadora, que sempre lutou para sobreviver em meio às dificuldades climáticas e políticas do sertão nordestino.
Analfabeto de pai e mãe, "sem saber as letra onde mora", como diz em um de seus poemas, Patativa abandonou os estudos na 4ª série, alegando ser a escola totalmente sem importância; pois, segundo ele, "a professora falava muita besteira". Menino pobre, perdeu o pai aos oito anos de idade e desde então teve que ganhar a vida e garantir o sustento de sua família trabalhando com a enxada, na roça, de sol a sol.
Conhecido como o poeta da oralidade, do canto nordestino, Patativa prova que sua pouca instrução não lhe desproviu de expressar sua verdade interiror através da poesia. Seus versos, marcados pela oralidade, cantam a existência e denunciam injustiças sociais, propagando a consciência e perseverança do povo nordestino, que enfrenta a miséria e as mazelas da seca:
"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, não nego meu nome.
Olho para a fome , pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,Sou cabra da Peste, sou do Ceará."
Mesmo com sua facilidade em compor versos rimados desde menino, o velho Patativa nunca quis ganhar dinheiro em cima de seu dom. Compunha e apresentava seus versos aos amigos ou aos vizinhos em praças ou teatros, sem cobrar nada por isso. Para ele, a música e a poesia eram diversão, "apenas para passar o tempo". E por falar em tempo, passou toda a sua vida morando na mesma casinha simples de Santana, município de Assaré. Mesmo quando foi apresentado ao Brasil inteiro pelo cantor e compositor também cearense Raimundo Fagner, Patativa continuou mantendo a sua origem simples de homem do sertão.
Gravou discos, fez shows, participou de recitais e teve até um documentário em película produzido pelo cineasta Rosemberg Cariri, que falava sobre Patativa e a cultura nordestina. Seus poemas em cordéis foram publicados ocasionalmente por pesquisadores, músicos e amigos, em parcerias com pequenos selos tipográficos e hoje são considerados verdadeiras relíquias para colecionadores e amantes da Literatura.
"Sinhô Dotô não se enfade
Vá guardando essa verdade
E pode crê, sou aquele operário
Que ganha um pobre salário
Que não dá para comer."
A toada-aboio "Vaca Estrela e Boi Fubá", que narra a saudade da terra natal e do gado foi sucesso do 1º disco, A Terra é Naturá, em versão gravada por Luiz Gonzaga e logo depois por Fagner no LP "Raimundo Fagner", de 1980:
"Eu sou filho do Nordeste, não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinnho, num é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá.
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar".
Outro ponto marcante do mesmo disco é o poema Antonio Conselheiro, que narra a saga do messiânico desde os dias iniciais em Quixeramobim até a batalha final no Arraial de Belo Monte em Canudos. Patativa, com sua verve poética, reproduz fielmente a tradição das histórias orais contadas em rodas e mantidas pelos violeiros e repentistas do nordeste brasileiro.
Sempre perguntavam a Patativa o que ele achava do progresso, dos novos meios de comunicação. Em resposta a uma destas perguntas, ele canta suas autênticas convicções sobre o aparelho de tv:
"Toda vez que eu ligo ele
No chafurdo das novela
Vejo logo os papo é feio
Vejo o maior tumaré
Com a briga das mulhé
Querendo os marido alheio
Do que adianta ter fama?
Ter curso de Faculdade?
Mode apresentar programa
Com tanta imoralidade?!"
É ou não é para a gente se orgulhar? :)
Com sua saúde abalada desde os 91 anos de idade em virtude de uma queda e a memória já ficando comprometida, Patativa parou de compor versos. E como ele próprio explicou: "já disse tudo que tinha de dizer". No dia 08 de julho de 2002, Patativa morre, aos 93 anos, na sua terra natal, deixando um importante legado poético-literário para a cultura brasileira e uma imensa saudade no coração do povo cearense.
Salve Patativa!