sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Máscara


Esta luz animada e desprendida
Duma longínqua estrela misteriosa
Que, vindo refletir-se em nosso rosto,
Acende nele estranha claridade...

Esta lâmpada oculta em nossa máscara
Tornada transparente e radiante
De alegria, de dor ou desespero
E de outros sentimentos emanados
Do coração dum anjo ou dum demônio...
Este retrato ideal e verdadeiro,

Composto de alma e corpo e de que somos
A trágica moldura, errando à sorte,
É ela, é ela, a nossa aparição,
Feita de estrelas, sombras, ventanias
E séculos sem fim surgindo, enfim,
Cá fora, sobre a terra, à luz do sol.


(Teixeira de Pascoaes)



Sim, amigos, tiremos as máscaras!

2 comentários:

Vinícius A. O. Lima disse...

Vi seu texto sobre o Saramago e quis colocar o que eu achava aqui, no comentário...

* * *
Uma visão sobre a Cegueira
“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que nós somos”.

Recentemente um casal de amigos me presenteou com uma das mais espetaculares obras do século XX: Ensaio sobre a cegueira, do ganhador do Nobel de Literatura, José Saramago. Já o havia lido duas vezes. Quando o ganhei, li-o de novo, de um fôlego. Embora não seja uma novidade, decidi escrever minhas impressões e sensações sobre este livro.
Há quem reclame da complexa estrutura narrativa de Saramago. De fato, ela não é simples, a começar pela falta de uma pontuação evidente no texto. Independente disso, nas três vezes que o li, fui devorado pela história arrebatadora. E em cada uma das vezes fui arrebatado pela angústia daqueles personagens que se viam cegos, imersos em uma Treva Branca; fui arrebatado pela aflição da mulher, coitada, que não cegou; arrebatado pelos olhos furtivos de um narrador que via – e enxergava – o caos em que aquele país genérico submergiu.
E do que trata esse ensaio? Por que “Ensaio”? “Ensaio”, segundo o Aurélio, é uma obra literária em prosa que se debruça a analisar ou interpretar um determinado assunto. Diz, antes disso, que ensaio é uma prova, uma experiência do desempenho de alguma coisa. Saramago faz essa apreciação em prosa sobre o desempenho humano em seu caráter mais primitivo. Como demonstrado na citação que abre este texto, a história trata do homem em essência, no seu estado “humano-bruto”, que brota da racionalidade completamente animalesco diante de um mundo onde, pelo inusitado do absurdo, os conceitos e as relações sociais caem por terra. O mundo e o homem como conhecemos às bordas do novo milênio é testado; julgado e condenado a necessitar e – obrigado – a doar a compreensão e o afeto mais primitivos (se é que é possível, quando estamos frente à loucura e o desespero).
Certa vez, em uma entrevista a um programa na TV Cultura, o cantor e compositor Renato Teixeira, autor de músicas como Tocando em frente e Romaria, disse que escrevia inspirado em grandes autores da literatura, como Manoel Bandeira, Fernando Pessoa e Saramago que, segundo ele, escreviam a simplicidade da vida. Saramago não se furta dessa simplicidade do cotidiano para elaborar seu romance.
No meio do trânsito de uma cidade qualquer, um homem não acelera o carro quando o semáforo acende a luz verde. Outros motoristas buzinam, gritam para que ele saia do caminho, mas ouvem de dentro do carro o grito desesperado “Estou cego”. Foi o primeiro. O Primeiro Cego. Depois dele, como uma contaminação sem controle, uma a uma todas as pessoas vão cegando e o país entra em um completo caos. Antes do fundo do poço, o Estado usa de sua lógica repressora e cria vários locais de quarentena. Mas a cegueira branca toma a todos.
Reclusos num manicômio, então inativo antes da “peste branca”, os personagens, que não tem nome, porque podem ser quaisquer pessoas, se vêem reduzidos a condições precárias a tal ponto que o corpo é moeda de troca por comida. E nesse mundo de loucos que, cegos, vêem branco, o lado ruim da pedra bruta “humano” se mostra egoísta, assassino, mesquinho. Como a cegueira, a loucura toma a todos. Menos a uma mulher. A Mulher do Médico. Ela, nem cega nem louca, é a representação da “responsabilidade de ter olhos quando todos os outros os perderam”. Uma simbologia das posturas políticas do autor, presentes em todos os livros e nesse também, ora mais escancarado, ora mais sutil, como na frase.
Na abertura do livro há uma máxima: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Saramago usa a frase pra escrever nas entrelinhas que temos de enxergar em nós e nos outros aquilo que importa, aquilo que nos faz como somos – e não conseguimos nominar. Quando observarmos o nosso âmago, compreenderemos que “somente num mundo de cegos veremos as coisas como verdadeiramente são”, e por mais animalesco que pareça, perceberemos que não somos “porcos”, como grita um personagem em um momento do livro, somos apenas, no final das contas, homens e mulheres cegos que vêem – e nem isso sabem uns dos outros.

* * *

Márcia de Oliveira disse...

Excelente comentário, Vinícius!
E num momento mais do que oportuno!
Momento em que todos vivemos uma cegueira total para os problemas da sociedade. Parabéns pela tua sensibilidade e pela tua percepção literária maravilhosa! Adoro quem adora o mestre Sara! Vc mostrou que se "em terra de cego quem tem um olho é rei, imagine quem tem os dois"?

Bjão.