O Modernismo português tem início em 1915, com a fundação da revista Orpheu pelo grupo de escritores até então desconhecidos, como: Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros e outros. Surge então o Orfismo, primeiro momento do Modernismo em Portugal. Em seguida, em 1927, chega, como uma espécie de 2º momento, o Presencismo, corrente que traz a sensibilidade e a originalidade do artista como os elementos mais importantes do processo de criação artística. Já no primeiro número da revista Presença, José Régio sintetiza o programa de atuação da revista em um artigo intitulado Literatura Viva, em que diz: "Em arte, é vivo tudo o que é original".
Além de primarem pela originalidade e sensibilidade, os autores da Presença acreditavam ter a arte uma única finalidade: a de produzir no público uma emoção tão misteriosa, tão particular e talvez tão complexa, chamada emoção estética. Para eles, de forma consciente ou inconsciente, a finalidade da obra era a finalidade estética. Entre os principais estão: José Régio, Miguel Torga, Antônio Botto, Adolfo Casais Monteiro, Irene Lisboa e o nosso querido Branquinho da Fonseca, de quem teremos a honra de falar agora.
Antônio José Branquinho da Fonseca, natural de Mortágua - Portugal, dedicou-se ao teatro e à poesia, mas foi na ficção, sobretudo no conto que atingiu uma posição de destaque na moderna Literatura Portuguesa. Sua obra-prima intitula-se O Barão, conto ou novela (como preferem alguns), em que sua capacidade de alegorização e seu talento para o mítico e para o onírico fluem, exacerbadamente, trazendo à tona o poético e o contraditório, o objetivo e o abstrato, o moderno e o medieval.
A Obra O Barão, conta a história de um inspetor escolar (o narrador-personagem) que é chamado à Serra do Barroso para fazer uma sindicância na escola primária da pequena vila. Lá, uma professora encontra-se à sua espera. Ela o apresenta ao Barão, que se prontifica a hospedá-lo em sua casa.
Ao conhecer o Barão, o inspetor observa-o detidamente. Suas palavras, seus gestos, seu ar de dono do mundo. Mas acaba descobrindo nele uma grande simpatia, uma espécie de encantamento que não é observado pelos habitantes da vila. Após saírem da hospedaria, os dois (inspetor e Barão) dirigem-se ao Castelo do Barão, sua residência. Um solar rústico, medieval, denso, que possui a atmosfera de um tempo perdido. O Barão vive neste castelo com vários cães de estimação e sua criada Idalina (a única personagem nomeada na história). É um homem contraditório. Tem um aspecto rústico, medieval, grosseiro, mas dedica todo seu carinho e atenção aos seus cães, que desmancham-se em alegria ao vê-lo.
Em seu castelo, o Barão bebe demasiadamente e conta ao inspetor muitas histórias, sem se quer se preocupar se estava sendo ouvido ou não. Conta, inclusive, a história de seu grande amor não correspondido por uma misteriosa mulher, a quem chama de Ela. Ao mencioná-la, o Barão deixa transparecer toda a sua emoção e chora. Depois, pede ao inspetor que o acompanhe, pois quer comprar flores para deixar na janela do castelo onde Ela vive. Diz que sua amada é a Bela Adormecida, uma princesa que dorme em seus sonhos e que para visitá-la precisa purificar sua alma com vinho branco. Após este ritual de purificação, os dois saem juntos e colhem rosas brancas para pôr na janela de Ela, mas no meio do caminho, durante a madrugada, o inspetor e o barão perdem-se um do outro. O inspetor adormece a ao amanhecer aluga um burro para voltar ao castelo. Chegando lá, descobre que o Barão levara um tiro no ombro e fraturara a cabeça, mas ainda assim o próprio Barão, embora ferido, consegue lhe contar que deixara uma rosa sobre a janela de sua amada.
A narrativa se encerra quando o inspetor anuncia que voltará a visitar o Barão e que o ajudará a depositar uma outra rosa na janela de seu único e grande amor, Ela, a bela adormecida.
1- A questão do herói em disponibilidade:
Segundo Antônio Quadros, o Barão pode ser considerado um herói em disponibilidade porque possui todas as qualidades de um herói, mas não o é. Porém, espera-se que a qualquer momento ele possa vir a praticar um ato heróico.
O inspetor, ao chegar na Aldeia e conhecer o Barão tem, inicialmente, uma imagem um tanto quanto negativa dele. Seu aspecto físico sugere uma potência, um certo primitivismo. ( a tendência para sugerir atmosferas, ambientes, personalidades, etc. constitui uma característica marcante em Branquinho da Fonseca). O Barão possui uma certa brutalidade, um ar de dono de tudo e todos se intimidam diante dele, mas o inspetor percebe que, apesar de tudo isso, o convívio harmonioso com o dono do Castelo não é impossível. Embora sua aparência rústica amedronte, o Barão é uma figura dócil, acolhedora e amável. Trata-se de um homem generoso, ingênuo e que confia muito nos outros. Confia tanto no inspetor a ponto de acolhê-lo em sua própria casa e de lhe fazer confissões como se fosse um amigo de longa data.
Mas durante toda a obra, a atitude do Barão que mais se aproxima de um feito heróico é quando ele, tomado pela embriaguez do vinho, se arrisca, escalando os muros de um castelo para deixar uma rosa branca (símbolo de pureza e louvor) na janela muito alta do quarto de sua amada, Ela. Tal atitude, em se tratando de uma pessoa rude e de sentimentalidade retraída como o Barão, é um ato de extrema bravura. O personagem corre todos os riscos em nome de sua sentimentalidade, em nome do seu amor por Ela, um amor impossível, desgraçado, aniquilador, que remete a outra história da Literatura Universal, Romeu & Julieta, de Shakespeare. Há, inclusive, uma passagem em que o Barão diz: "quando meu pai matou o pai dela, não foi só a ele que ele matou, mas a nós dois, a mim".
Este amor aniquilador, este amor de perda remete ainda a outras obras, como Amor de Perdição, do também português Camilo Castelo Branco e até na Literatura Brasileira temos uma referência, como no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, que também fala de amores impossíveis. Ainda nessa mesma linha, passemos ao segundo ponto a ser abordado na obra:
2- O Absurdo da Vida:
O absurdo da vida em O barão apresenta-se de várias maneiras: tanto nos episódios estranhos que preenchem a noite (a apresentação de uma tuna,festa medieval de dança semelhante aos jograis; um incêndio que acontece repentina e misteriosamente no quarto do Barão e o fato de o Barão não poder dar vasão aos sentimentos que nutre por Ela). Todos esses fatos dão a obra um certo ar de mistério e absurdo, criando-se uma atmosfera onírica.
Durante a leitura, o leitor se vê confuso, sem saber se tudo aconteceu mesmo ou se não passa de um sonho do inspetor (narrador). E ainda se pergunta sobre o que é exatamente a novela/conto O Barão. seria uma narrativa fantástica? realista? modernista?
Particularmente, vejo em O Barão uma história que mescla e distorce o real e o fantástico, mas que no fim justifica essa distorção da realidade através de um elemento muito simples: a embriaguez. Todos os acontecimentos absurdos podem muito bem ter sido frutos da embriaguez do narrador; da embriaguez do Barão também, mas principalmente da embriaguez do narrador, porque, afinal de contas, é ele quem conduz a história, quem dirige os fatos. O inspetor marca na obra a presença do autor.
3- O Medievalesco na Narrativa:
Outro aspecto importante e que é sugerido de duas maneiras na narrativa é a questão do medievalesco. Ocorre tanto na descrição de personagens como o Barão; quanto na descrição de ambientes físicos: o castelo/palácio onde o Barão vive e o castelo onde mora Ela, a Bela Adormecida.
O Barão é tido como um homem de aspectos medievais e primitivos por seu caráter antiquado, ultrapassado e inadaptado à sua época. Ele é medieval enquanto todos os outros são modernos, daí a ser chamado também de um personagem de exceção.
Esses foram os três aspectos de maior relevância na obra e que abordam quase todos os outros. Mas é claro que não posso deixar de dizer que o texto merece ser lido por vocês com bastante atenção para que nenhum elemento passe despercebido ou seja confundido com outro. Branquinho da Fonseca é um grande mestre lusitano na arte de sugerir. Sugere sua presença através do inspetor, sugere o medieval e sugere temas como a confissão e o encontro que, muitas vezes, se confundem com meras histórias de amor e desencontros. Só que em O Barão é justamente o encontro (do Barão com o inspetor) que vai sugerir um outro aprendizado:através da confissão e da aceitação da própria subjetividade, tanto o Barão quanto o inspetor descobrem que o amor é a essência da verdade, é a expressão do inefável; de sua verdade interior.