sábado, 15 de março de 2008

Saramago: "De Como a Personagem foi Mestre e o Autor seu Aprendiz"

Márcia Oliveira

Há uma relação significativa entre a proposta literária de José Saramago e a sua vida familiar. O autor de Jangada de Pedra e Ensaio Sobre a Cegueira demonstra, em toda a sua obra, ser um homem saudosista e de muita sensibilidade. Saramago prima por escrever sobre as pessoas que ama e que, de algum modo, participaram significativamente de sua vida.




Sua família parece estar sempre num altíssimo patamar desta categoria. Quando o mestre explica por que escrevera sobre seus pais e seus avós, diz: "Tive a consciência de que estava a transformar as pessoas comuns que eles haviam sido em personagens literárias e que essa era, provavelmente, a maneira de não os esquecer". O autor de Todos os Nomes deixa claro que escrever sobre as pessoas que o geraram é uma maneira de registrar uma fase importante de sua vida, assim como de demonstrar seu carinho e gratidão e também de eternizá-las no tempo.




Sua maneira de criar personagens é interessante e intensamente viva. No discurso "De Como a Personagem foi Mestre e o Autor seu Aprendiz", ele concebe que sempre aprende muito com suas personagens, e que tudo que elas o ensinam o faz um mero aprendiz de suas criaturas. Ao transformar seus pais e seus avós em presonagens literárias, ele os resgata e traz de volta ensinamentos que fizeram dele a pessoa que é hoje. Por isso, afirma ser o criador dessas personagens e, ao mesmo tempo, criatura delas.




Verdade é que todas as personagens citadas em seu discurso o proporcionaram muitas lições de vida. O Sr. Jerônimo (seu avô), por exemplo, ensina ao neto, o pequeno José, que o mundo, apesar de cruel, não é de todo mau. Há uma grande satisfação em se viver, em se afortunar da natureza, da simplicidade, do amor aos entes queridos...enfim, os avós de Saramago, apesar da simplicidade e de todo o sofrimento que viveram, sentiam pena de morrer, pena de deixar para sempre este mundo (aos seus olhos) tão belo.




Aprendeu também com o medíocre pintor de retratos, protagonista do Manual de Pintura & caligrafia, a quem designou H., um homem que o ensinou a honradez de reconhecer seus limites e de aceitar suas próprias raízes, o que efetivamente deu à Literatura de Saramago um caráter enraizado.




Depois, com os homens e as mulheres do Alentejo (mesma região de seus avós), no livro Levantado do Chão, Saramago afirma ter aprendido com esta gente humilde e sofrida a ser paciente, a confiar e a entregar-se ao tempo, que nos constrói e nos destrói; que nos deixa no chão e nos levanta de novo deste mesmo chão.




Em Que Farei com Este Livro? ele admira a coragem e a humildade de Camões em lutar por uma nação, escrever uma obra-prima e depois ser enjeitado por esta mesma nação que tanto ufanou heroicamente, morrendo anos mais tarde na mais completa miséria. Mas, ainda assim, depois de tantas decepções, Camões continuou a se preocupar com o futuro da Literatura nacional. Para Saramago, uma atitude digna de um verdadeiro mestre!




Com as estranhas personagens de Memorial do Convento, Saramago reflete, dentre outras coisas, a sua evolução no modo de pensar a questão do sonho. O sonho é o alimento da alma humana, é ele o combustível para se chegar a algum destino. "Sonhar é ser homem", como sabiamente diz o mestre Linhares Filho. O sonho do padre Bartolomeu Lourenço de terminar a construção da passarola e vê-la voar é o pão de sua própria alma. É a sustentação de sua vida.




Já com Fernando Pessoa (uma de suas maiores influências), entendeu o que era o espetáculo do mundo e resolveu escrever O Ano da Morte de Ricardo Reis. O heterônimo Ricardo Reis o fez entender que viver é assistir a um constante espetáculo, seja ele uma trajédia, uma comédia ou um drama. A vida é o maior espetáculo humano.




Na Jangada de Pedra, uma utopia: realizar o encontro cultural entre os povos peninsulares e os povos do outro lado do Atlântico, numa tentativa de reescrever a história.




Em síntese, é muito importante ressaltar a originalidade da proposta literária do mestre Saramago. Todas as suas personagens, seja reconstruindo a realidade, seja levando a realidade para o absurdo, não são simplesmente criadas por ele; elas, através de seus ensinamentos, é que o levam a ser quem ele é. Parabéns ao mestre!

sexta-feira, 14 de março de 2008

14 de Março: Porque Todo Dia é Dia de Poesia...

Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.

(Paulo Leminski)

Que a beleza e a simplicidade deste dia se repitam todos os dias...porque todo dia é dia de Poesia.



Homenagem do Letras & Arte ao Dia Nacional da Poesia

domingo, 9 de março de 2008

Romance: História e Sistema de um Gênero Literário

Márcia Oliveira


O romance, forma literária pertencente ao gênero narrativo, vem sofrendo, durante os últimos três séculos, uma forte evolução no âmbito histórico e estrutural, contemplando a Literatura com diversas obras clássicas ao longo do tempo.




Por se tratar de uma espécie literária relativamente moderna, o romance não possui raízes greco-latinas; no entanto, pode-se considerá-lo uma das mais ricas criações artísticas das modernas literaturas européias.




De acordo com Vítor Manuel de Aguiar, já na Idade Média, o vocábulo "romance" designou primeiramente a língua românica, considerada vulgar por se tratar de uma língua originária do Latim vulgar e não do Latim clássico e já havendo sofrido profundas modificações em relação a este idioma. Só mais tarde é que a palavra "romance" passou a designar um estilo literário dotado de profundo sentimentalismo, inicialmente, narrado em verso e, posteriormente, em prosa.




Dependendo da importância dada ao personagem ou à ação, ou ao espaço, podemos ter: romance de costumes, romance psicológico, romance policial, romance regionalista, romance de cavalaria, romance histórico, etc. O romance de cavalaria opunha-se ao romance sentimental. Enquanto o primeiro compunha-se de bravos heróis dispostos a travar as maiores batalhas em nome de sentimentos nobres como o amor, o segundo tratava-se de um texto analítico do sentimento amoroso, podendo ter um cunho marcadamente erótico ou acentuadamente sentimental. Porém, ambos não passavam de textos essencialmente voltados para o público feminino, que tinha na Literatura sua principal fonte de entretenimento.




No período renascentista (século XVI) entra em voga o romance pastoril, forma narrativa marcadamente culta, na qual a prosa mescla-se com o verso, tendo como principal obra-prima do gênero a Diana, de Jorge de Montemor. Tal romance teve uma extensa irradiação na Literatura européia dos séculos XVI e XVII.




Mas é no século XVII que o romance passa a ter uma proliferação extraordinária. O romance barroco, semelhante ao romance medieval caracteriza-se pela imaginação exuberante, pelo excesso de aventuras excepcionais e inverossímeis, como náufragos, duelos, raptos, aparições de monstros, etc. E assim, através de longas e complicadas aventuras sentimentais, o romance passa a agradar, pelo menos em parte, o exigente público deste século.




No mesmo conceito de Literaturas européias desta época, ocupa um lugar privilegiado na criação romanesca a Literatura espanhola, tendo no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes Saavedra sua principal representação. O texto revela uma crítica em formato de sátira aos romances de cavalaria, pois na visão de uma parte da sociedade européia o romance não constituía um texto literário ideal, dotado de verossimilhança. Segundo Huet, crítico literário francês do século XVII, o romance não passava de um estilo literário alienante, que distanciava o público da realidade, através de emoções fortes e devaneios excessivos, os quais não poderiam conviver com a vida factual.




Entretanto, quando no século XVIII o sistema de valores da estética clássica começa a perder sua homogeneidade e sua rigidez, e com o surgimento de um novo público detentor de poder aquisitivo e cultural - a burguesia - o romance conhece uma metamorfose e um desenvolvimento muito profundos, a ponto do francês Diderot não aceitar a identificação do romance anterior ao século XVIII e do novo romance deste mesmo século. Obras como Manon Lescault, de Prévost e o Werther de Goethe demonstram que o romance tornara-se incrivelmente penetrante, uma espécie de análise despudorada das paixões e dos sentimentos humanos.




O público cansara-se do caráter fabuloso e exigia das obras narrativas mais verossimilhança, mais realidade. Assim, com o surgimento do Romantismo, o romance, que já havia conquistado seu respeito e autonomia, sofre uma dilatação, um considerável aumento do seu público leitor. Essa dilatação atua como negativa na qualidade da produção romanesca, sugindo assim, novos tipos de romances, entre eles Romance negro ou de terror, que obteve uma forte aceitação no final do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, constituindo uma das formas romanescas mais apreciadas pelo então dilatado público; e o romance em folhetins, caracterizado pelas numerosas aventuras descabeladas, pelo tom melodramático e pela freqüência de cenas emocionantes, mantendo vivo o interesse do público de folhetim para folhetim.




Por conseguinte, ainda com o Romantismo, a narrativa romanesca afirma-se decisivamente como uma importante forma literária, pronta para expressar não só aspectos pertencentes ao homem, mas também aspectos pertencentes ao mundo, seja em forma de romance histórico, psicológico, poético ou simbólico, não importa. O fato é que o romance assimilou com perfeição diversos gêneros literários e provou ser capaz de representar tanto aspectos da vida cotidiana quanto aspectos de uma atmosfera poética, e até mesmo a análise de uma ideologia, tornando-se uma das formas literárias mais importantes de sua época e transformando o século XIX no período mais brilhante de sua história.






Fonte: SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 1991.

sábado, 8 de março de 2008

Rosa


Tu és divina e graciosa,

Estátua majestosa do amor

Por Deus esculturada

E formada com ardor

Da alma da mais linda flor

De mais ativo olor

Que na vida é preferida pelo beija-flor...


Se Deus me fora tão clemente

Aqui neste ambiente de luz

Formada numa tela deslumbrante e bela

Teu coração junto ao meu lanceado

Pregado e crucificado sobre a rósea cruz

Do arfante peito teu...


Tu és a forma ideal

Estátua magistral, oh alma perenal

Do meu primeiro amor, sublime amor

Tu és de Deus a soberana flor

Tu és de Deus a criação

Que em todo coração sepultas um amor

O riso, a fé , a dor

Em sândalos olentes, cheios de sabor

Em vozes tão dolentes como um sonho em flor

És láctea estrela

És mãe da realeza

És tudo enfim que tem de belo

Em todo resplendor da santa natureza


Perdão, se ouso confessar-te

Eu hei de sempre amar-te

Oh, flor, meu peito não resiste

Oh, meu Deus, o quanto é triste

A incerteza de um amor

Que mais me faz penar em esperar

Em conduzir-te um dia

Ao pé do altar


Jurar, aos pés do onipotente

Em preces comoventes de dor

E receber a unção da tua gratidão

Depois de remir meus desejos

Em nuvens de beijos

Hei de envolver-te até meu padecer

De todo fenecer...



(Pixinguinha)



Homenagem do Letras & Arte a todas as mulheres neste 08 de março de 2008!

sexta-feira, 7 de março de 2008

Quadrilha


João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.



(Carlos Drummond de Andrade)

A Presença e Outros Aspectos em O Barão, de Branquinho da Fonseca

(Márcia Oliveira)

O Modernismo português tem início em 1915, com a fundação da revista Orpheu pelo grupo de escritores até então desconhecidos, como: Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros e outros. Surge então o Orfismo, primeiro momento do Modernismo em Portugal. Em seguida, em 1927, chega, como uma espécie de 2º momento, o Presencismo, corrente que traz a sensibilidade e a originalidade do artista como os elementos mais importantes do processo de criação artística. Já no primeiro número da revista Presença, José Régio sintetiza o programa de atuação da revista em um artigo intitulado Literatura Viva, em que diz: "Em arte, é vivo tudo o que é original".



Além de primarem pela originalidade e sensibilidade, os autores da Presença acreditavam ter a arte uma única finalidade: a de produzir no público uma emoção tão misteriosa, tão particular e talvez tão complexa, chamada emoção estética. Para eles, de forma consciente ou inconsciente, a finalidade da obra era a finalidade estética. Entre os principais estão: José Régio, Miguel Torga, Antônio Botto, Adolfo Casais Monteiro, Irene Lisboa e o nosso querido Branquinho da Fonseca, de quem teremos a honra de falar agora.


Antônio José Branquinho da Fonseca, natural de Mortágua - Portugal, dedicou-se ao teatro e à poesia, mas foi na ficção, sobretudo no conto que atingiu uma posição de destaque na moderna Literatura Portuguesa. Sua obra-prima intitula-se O Barão, conto ou novela (como preferem alguns), em que sua capacidade de alegorização e seu talento para o mítico e para o onírico fluem, exacerbadamente, trazendo à tona o poético e o contraditório, o objetivo e o abstrato, o moderno e o medieval.


A Obra O Barão, conta a história de um inspetor escolar (o narrador-personagem) que é chamado à Serra do Barroso para fazer uma sindicância na escola primária da pequena vila. Lá, uma professora encontra-se à sua espera. Ela o apresenta ao Barão, que se prontifica a hospedá-lo em sua casa.



Ao conhecer o Barão, o inspetor observa-o detidamente. Suas palavras, seus gestos, seu ar de dono do mundo. Mas acaba descobrindo nele uma grande simpatia, uma espécie de encantamento que não é observado pelos habitantes da vila. Após saírem da hospedaria, os dois (inspetor e Barão) dirigem-se ao Castelo do Barão, sua residência. Um solar rústico, medieval, denso, que possui a atmosfera de um tempo perdido. O Barão vive neste castelo com vários cães de estimação e sua criada Idalina (a única personagem nomeada na história). É um homem contraditório. Tem um aspecto rústico, medieval, grosseiro, mas dedica todo seu carinho e atenção aos seus cães, que desmancham-se em alegria ao vê-lo.


Em seu castelo, o Barão bebe demasiadamente e conta ao inspetor muitas histórias, sem se quer se preocupar se estava sendo ouvido ou não. Conta, inclusive, a história de seu grande amor não correspondido por uma misteriosa mulher, a quem chama de Ela. Ao mencioná-la, o Barão deixa transparecer toda a sua emoção e chora. Depois, pede ao inspetor que o acompanhe, pois quer comprar flores para deixar na janela do castelo onde Ela vive. Diz que sua amada é a Bela Adormecida, uma princesa que dorme em seus sonhos e que para visitá-la precisa purificar sua alma com vinho branco. Após este ritual de purificação, os dois saem juntos e colhem rosas brancas para pôr na janela de Ela, mas no meio do caminho, durante a madrugada, o inspetor e o barão perdem-se um do outro. O inspetor adormece a ao amanhecer aluga um burro para voltar ao castelo. Chegando lá, descobre que o Barão levara um tiro no ombro e fraturara a cabeça, mas ainda assim o próprio Barão, embora ferido, consegue lhe contar que deixara uma rosa sobre a janela de sua amada.


A narrativa se encerra quando o inspetor anuncia que voltará a visitar o Barão e que o ajudará a depositar uma outra rosa na janela de seu único e grande amor, Ela, a bela adormecida.


  • Aspectos relevantes na obra:



1- A questão do herói em disponibilidade:


Segundo Antônio Quadros, o Barão pode ser considerado um herói em disponibilidade porque possui todas as qualidades de um herói, mas não o é. Porém, espera-se que a qualquer momento ele possa vir a praticar um ato heróico.


O inspetor, ao chegar na Aldeia e conhecer o Barão tem, inicialmente, uma imagem um tanto quanto negativa dele. Seu aspecto físico sugere uma potência, um certo primitivismo. ( a tendência para sugerir atmosferas, ambientes, personalidades, etc. constitui uma característica marcante em Branquinho da Fonseca). O Barão possui uma certa brutalidade, um ar de dono de tudo e todos se intimidam diante dele, mas o inspetor percebe que, apesar de tudo isso, o convívio harmonioso com o dono do Castelo não é impossível. Embora sua aparência rústica amedronte, o Barão é uma figura dócil, acolhedora e amável. Trata-se de um homem generoso, ingênuo e que confia muito nos outros. Confia tanto no inspetor a ponto de acolhê-lo em sua própria casa e de lhe fazer confissões como se fosse um amigo de longa data.


Mas durante toda a obra, a atitude do Barão que mais se aproxima de um feito heróico é quando ele, tomado pela embriaguez do vinho, se arrisca, escalando os muros de um castelo para deixar uma rosa branca (símbolo de pureza e louvor) na janela muito alta do quarto de sua amada, Ela. Tal atitude, em se tratando de uma pessoa rude e de sentimentalidade retraída como o Barão, é um ato de extrema bravura. O personagem corre todos os riscos em nome de sua sentimentalidade, em nome do seu amor por Ela, um amor impossível, desgraçado, aniquilador, que remete a outra história da Literatura Universal, Romeu & Julieta, de Shakespeare. Há, inclusive, uma passagem em que o Barão diz: "quando meu pai matou o pai dela, não foi só a ele que ele matou, mas a nós dois, a mim".


Este amor aniquilador, este amor de perda remete ainda a outras obras, como Amor de Perdição, do também português Camilo Castelo Branco e até na Literatura Brasileira temos uma referência, como no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, que também fala de amores impossíveis. Ainda nessa mesma linha, passemos ao segundo ponto a ser abordado na obra:



2- O Absurdo da Vida:


O absurdo da vida em O barão apresenta-se de várias maneiras: tanto nos episódios estranhos que preenchem a noite (a apresentação de uma tuna,festa medieval de dança semelhante aos jograis; um incêndio que acontece repentina e misteriosamente no quarto do Barão e o fato de o Barão não poder dar vasão aos sentimentos que nutre por Ela). Todos esses fatos dão a obra um certo ar de mistério e absurdo, criando-se uma atmosfera onírica.


Durante a leitura, o leitor se vê confuso, sem saber se tudo aconteceu mesmo ou se não passa de um sonho do inspetor (narrador). E ainda se pergunta sobre o que é exatamente a novela/conto O Barão. seria uma narrativa fantástica? realista? modernista?


Particularmente, vejo em O Barão uma história que mescla e distorce o real e o fantástico, mas que no fim justifica essa distorção da realidade através de um elemento muito simples: a embriaguez. Todos os acontecimentos absurdos podem muito bem ter sido frutos da embriaguez do narrador; da embriaguez do Barão também, mas principalmente da embriaguez do narrador, porque, afinal de contas, é ele quem conduz a história, quem dirige os fatos. O inspetor marca na obra a presença do autor.



3- O Medievalesco na Narrativa:


Outro aspecto importante e que é sugerido de duas maneiras na narrativa é a questão do medievalesco. Ocorre tanto na descrição de personagens como o Barão; quanto na descrição de ambientes físicos: o castelo/palácio onde o Barão vive e o castelo onde mora Ela, a Bela Adormecida.



O Barão é tido como um homem de aspectos medievais e primitivos por seu caráter antiquado, ultrapassado e inadaptado à sua época. Ele é medieval enquanto todos os outros são modernos, daí a ser chamado também de um personagem de exceção.



Esses foram os três aspectos de maior relevância na obra e que abordam quase todos os outros. Mas é claro que não posso deixar de dizer que o texto merece ser lido por vocês com bastante atenção para que nenhum elemento passe despercebido ou seja confundido com outro. Branquinho da Fonseca é um grande mestre lusitano na arte de sugerir. Sugere sua presença através do inspetor, sugere o medieval e sugere temas como a confissão e o encontro que, muitas vezes, se confundem com meras histórias de amor e desencontros. Só que em O Barão é justamente o encontro (do Barão com o inspetor) que vai sugerir um outro aprendizado:através da confissão e da aceitação da própria subjetividade, tanto o Barão quanto o inspetor descobrem que o amor é a essência da verdade, é a expressão do inefável; de sua verdade interior.