quinta-feira, 23 de abril de 2009
sábado, 11 de abril de 2009
O Amor e o Tempo em Gabriel García Márquez
No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com sorriso maligno, você vai ver."
Este é o trecho inicial da obra Memória de Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, livro que trouxe o colombiano Nobel de Literatura de volta às livrarias após um período de dez anos sem publicar. E, voltando em grande estilo, com as ontológicas memórias de um homem solitário que às vésperas de completar noventa anos resolve voltar à vida, baseando-a justamente naquilo que mais lhe faltara: o amor. Mais uma vez, Márquez centraliza suas reflexões no tempo, no tempo e na impotência (para não dizer ignorância) humana diante dele e, claro, no amor.
Nosso protagonista, um velho professor de Gramática castellana e cronista dominical do periódico El Diario de La Paz inicia suas memórias refletindo sobre a velhice, numa ânsia incontida por não saber como escrever sua crônica de aniversário que terá como tema os seus noventa anos:
"O tema da crônica daquele dia, é claro, eram os meus noventa anos. Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que indica a quantidade de vida que vai nos restando. (...) Fazia meses que tinha previsto que minha crônica de aniversário não seria o mesmo e martelado lamento pelos anos idos, mas o contrário: uma glorificação da velhice".
Só para relembrar, em Cem Anos de Solidão (1967), o tempo também aparece como elemento importantíssimo das indagações do coronel Aureliano Buendía, um ermo e sensível pensador, que assim como todas as gerações de sua família é condenado a viver toda a vida, inexplicavelmente, fincado na mais devastadora solidão. Tal condenação, dizima gerações inteiras da família Buendía durante um século e eleva a obra ao mais alto patamar do chamado realismo fantástico.
Em O Amor nos Tempos do Cólera (1985 ), Florentino Ariza espera mais de cinquenta anos, contando os dias e as horas, pelo amor de Firmina, mulher por quem se apaixonara ainda na juventude, provando que nem mesmo o tempo pode ser uma barreira para o amor, pois "o verdadeiro amor é amor em qualquer tempo e em qualquer parte da vida".
Também nestas memórias do nonagenário professor-cronista, todos estes elementos marcantes da escritura de García Márquez recorrem e enriquecem o texto que ultrapassa a linha do poético-filosófico, numa imensidão de beleza e sensibilidade que afasta qualquer juízo moralizante ou mal pensamento do leitor diante da atitude do protagonista que deseja viver uma grande noite e um grande amor com uma menina pura. Suas intenções são as melhores, diz ele. E, de fato, o são, pois a jovem que recebe o fictício nome de Delgadina, além de idealizada como um anjo adormecido, tamanha é a sua candura, também recebe deste senhor, que passa a se preocupar com seu futuro e bem-estar material, o melhor tratamento que jamais recebera em toda a sua vida.
E este homem, que apesar dos seus noventa anos, ainda era um homem disposto e ativo para o trabalho, torna-se ainda mais disposto e invejavelmente feliz ao finalmente descobrir os encantos de um verdadeiro amor. Durante toda a sua vida, possuiu mulheres apenas para sua satisfação sexual, inclusive, pagava pelo prazer, mesmo para aquelas que não eram prostitutas. E agora, aos noventa anos, descobria que a vida sempre lhe preservara deste impagável bem e sentia que sua permanência na terra poderia se estender por mais cem anos e que sua velhice jamais seria um problema, contanto que não lhe faltasse amor.
E a velhice é mesmo algo que só percebemos quando as primeiras manifestações externas se tornam visíveis. Dores musculares, rugas, cabelos brancos, cansaço anunciam que a aurora da vida já escorreu por entre nossos dedos faz tempo, mas nunca pensamos que a velhice é um ciclo que se vive desde o momento em que se nasce e que ela pode mesmo e deve ser glorificada, já que a vida é algo tão raro. Gabriel García Márquez nos faz perceber isso da forma mais sublime e genial. O protagonista e filósofo procura enxergar a velhice não como os anos passados que não voltam mais, mas como a vida aproveitada, como as lições aprendidas com a vivência e o passar dos anos. E é assim que a vida deve ser, penso. Um constante aprendizado de como envelhecer, de como aproveitar bem o tempo neste grande, misterioso e bagunçado planeta azul que é a Terra.
(É bom estar de volta!!!)
Márcia de Oliveira. ●๋•☆
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